Quando se fala em Homem-Aranha, especialmente no cinema, é possível que você associe o herói da Marvel ao sucesso imediato. Ainda mais após o frisson causado pela estreia de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021), que alcançou a marca de US$ 1 bilhão na bilheteria mundial, mesmo com a indústria de cinema ainda se recuperando dos dois anos de quase inatividade. Mas o Teioso passou por um longo e tortuoso caminho até esse ponto, passando por estúdios duvidosos, diversos diretores, roteiristas, e toda sorte de problemas até se balançar com as teias pela primeira vez na telona.
O primeiro Homem-Aranha de Sam Raimi, que completa 20 anos de lançamento em maio deste ano, revolucionou a indústria dos filmes de herói nos anos 2000. Ao lado de Blade (1998) e X-Men (2000), o longa abriu caminho para que hoje o público possa se esbaldar com os lançamentos constantes das adaptações de HQ. Mas todo esse sucesso foi precedido por mais de 20 anos de tentativas frustradas, envolvendo até nomes que você pode nem imaginar.
Antes de rever o filme em comemoração (ou assistir pela primeira vez, por que não?), convidamos você para embarcar em uma jornada (não pelo multiverso), para uma realidade não tão longínqua aqui nessa mesma Terra, na qual nem se imaginava termos filmes baseado em HQs quase todos os meses.
“A história da minha vida não é para os de coração fraco”
Criado em 1962 por Stan Lee e Steve Ditko, o Homem-Aranha chegou a ter dois live-actions na TV no final dos anos 1970, incluindo o curioso, para dizer o mínimo, Homem-Aranha japonês. Mas a primeira tentativa real de levar o Cabeça de Teia aos cinemas em uma grande produção Hollywoodiana ocorreu já nos anos 1980, sob as mãos da dupla Menahem Golan e Yoram Globus.
Se os sobrenomes não parecem estranhos, é porque você provavelmente já assistiu a algum filme produzido pela dupla, ainda mais se for fã das porradarias de brucutu que dominavam a década. Sob a produtora Cannon Films, Golan e Globus bancaram longas como Stallone Cobra (1986), Desejo de Matar 2 (1982) e Falcão – O Campeão dos Campeões (1987).

Mas apesar do currículo, a aventura mais infame da dupla pelo mundo dos quadrinhos foi Superman 4: Em Busca da Paz (1987), com Christopher Reeve. Considerado até hoje como uma das piores adaptações de HQ de todos os tempos, o longa foi fiasco de bilheteria e crítica, e colocou o Homem de Aço na geladeira por quase duas décadas. Seja como for, o filme do Aranha até teria Tobe Hooper, de O Massacre da Serra Elétrica (1974) na direção, mas acabou nunca indo para a tela após as complicações financeiras da produtora.
Os direitos do Amigão da Vizinhança na telona foram passando de mão em mão nos anos seguintes, até chegarem na Carolco Pictures, em que o filme ganhou uma sobrevida, e nas mãos de apenas um dos cineastas mais bem-sucedidos de todos os tempos.
“De volta à fórmula?!”
O projeto foi para o colo de ninguém menos que James Cameron, que já acumulava clássicos da cultura pop como O Exterminador do Futuro (1984), Aliens – O Resgate (1986) e O Exterminador do Futuro 2 (1991).
O cineasta se encarregou de criar um novo roteiro, apresentado à Carolco já no início dos anos 1990. Nesta versão, que inclusive está disponível na internet, a história de Peter Parker é tratada de forma bastante similar à que eventualmente foi para a tela. Cameron amenizou o lado mais fantástico do herói para investir em analogias entre a descoberta dos poderes e a chegada da adolescência. Basta dizer que, muito sutilmente (só que não), há uma sequência em que Parker acorda sujo de fluidos de teia na cama e com lençóis grudentos.

Foi do tratamento de Cameron que veio a teia orgânica do herói, em contraste com os lançadores artificiais dos quadrinhos, além da preferência pelo tom urbano do longa, adotado por Sam Raimi. Falando ao ScreenCrush no final de 2021, Cameron definiu o projeto como “o melhor filme que ele nunca fez” e revelou detalhes sobre o tom desejado:
“Eu queria fazer algo que tivesse uma realidade brutal. Super-heróis em geral sempre pareceram muito espalhafatosos para mim, e eu preferia fazer algo no estilo de O Exterminador do Futuro, onde você comprasse aquela realidade logo de cara. Você estaria no mundo real, não em uma Gotham City mística.”
É tentador imaginar como seria um Homem-Aranha nas mãos de Cameron. Seria o filme um grande sucesso de bilheteria como quase todos em que o diretor se envolve? (Cameron é diretor de duas das cinco maiores bilheterias de todos os tempos). Mesmo com muito falatório na imprensa, com diversas publicações chegando a ventilar nomes como Leonardo DiCaprio e Arnold Schwarzenegger para estrelarem a empreitada, o projeto, mais uma vez, não saiu do papel, e culminou em mais uma dança de cadeiras com os direitos do herói para o cinema… Agora pela última vez.
“Com grandes poderes…”
Em 1999, os direitos do Aranha foram para a Columbia, subsidiária da Sony, que pareceu, enfim, disposta a fazer o projeto decolar, ainda mais após o relativo sucesso de Blade pela concorrente New Line apenas um ano antes, provando que um filme de quadrinhos poderia se sustentar.
Vale lembrar que, mesmo saindo nos cinemas dois anos depois do primeiro X-Men, Homem-Aranha entrou em produção antes do filme da Fox, então tudo ainda era, de certa forma, uma aposta no escuro.

Ainda em 1999, o elogiado Sam Raimi, até então famoso pela franquia de terror/comédia The Evil Dead e a produção das séries de TV Hércules e Xena: A Princesa Guerreira, foi escolhido para a direção, com David Koepp (Jurassic Park, Missão: Impossível) contratado para o roteiro.
Raimi, inclusive, teve a coragem de sugerir a si mesmo diretamente aos produtores para comandar o filme, mesmo não estando entre os nomes considerados pela Sony à época. Em determinado momento, o estúdio considerou até mesmo Tim Burton, responsável por Batman (1989), que negou por se considerar “um cara DC demais.”
Falando à Variety em reportagem especial sobre os 20 anos do filme, a produtora Amy Pascal lembra:
“Sam chegou e disse que aquilo deveria ser um drama sobre um garoto que ama uma garota, e é nisso que ele queria focar. Eu e os outros produtores nos entreolhamos e dissemos: ‘Bem, este também é o filme que queremos fazer.’”
A paixão de Raimi pelo personagem e pelos quadrinhos desde criança também parece ter sido decisiva na escolha. Com um diretor a bordo e a sede necessária para fazer o longa, era a hora do Aranha finalmente lançar a primeira teia. Mas antes era necessário escolher um herói.
“… vêm grandes responsabilidades”
Tanto Raimi como Pascal e Avi Arad, então chefão do departamento de audiovisual da Marvel, tinham em mente que o escolhido deveria projetar a insegurança e a relativa normalidade do garoto suburbano que vê sua vida virar de cabeça para baixo, quase literalmente.

Mesmo com galãs da época como Heath Ledger, Freddie Prinze Jr. e Wes Bentley batendo na porta, o papel acabou indo para o então jovem Tobey Maguire, de apenas 24 anos, após os produtores se impressionarem com a performance do ator no drama Regras da Vida (1999). Pascal recorda:
“Tobey podia não ser a escolha mais óbvia quando se tratava do personagem mais importante de todos que estavam sendo feitos no estúdio. Mas ele é um ator magnífico e possuía todas as qualidades que o nosso Peter Parker precisava. Para ser sincera, ele era a escolha do Sam, e Sam estava decidido. Ele não faria o filme com qualquer outra pessoa.”
Não precisamos dizer o quanto Maguire dominou o papel, retornando para as duas continuações do filme e até hoje sendo visto como o melhor Homem-Aranha para uma grande parcela de fãs do herói. Ele retornou também para uma aparição em Sem Volta Para Casa, ao lado das duas gerações seguintes do Teioso nos cinemas.
Dos roteiros anteriores, permaneceram as teias orgânicas, o foco na relação amorosa entre o herói e Mary Jane Watson e as metáforas para a chegada da vida adulta, e as responsabilidades vindas com a maturidade.

Tobey contracenou com Willem Dafoe, na pele do vilão Norman Osborn, o Duende Verde. Kirsten Dunst, vindo do sucesso As Apimentadas (2000), foi a MJ, com James Franco completando o elenco principal como o jovem Harry Osborn. Também participam Cliff Robertson como o tio Ben Parker, Rosemary Harris como Tia May e J.K. Simmons como um hilário J. Jonah Jameson, outro nome aproveitado nos filmes recentes do herói.
“Quem sou eu? Sou o Homem-Aranha”
Homem-Aranha estreou em 3 de maio nos cinemas dos EUA, chegando ao Brasil duas semanas depois, no dia 17. O filme arrecadou US$ 825 milhões na bilheteria mundial, número modesto aos olhos de hoje, mas um sucesso impensável há 20 anos, ainda mais se tratando de um longa de quadrinhos.
Se o caminho começou a ser aberto por Blade e X-Men, o filme de Sam Raimi foi o carimbo final de que não só um filme de herói poderia fazer sucesso, mas também poderia estabelecer todo um novo filão da cultura pop. Apesar de não ser pioneiro, o longa sacramentou as produções de HQ como a próxima grande coisa do cinema mundial, e certamente foi responsável por toda uma geração de novos nerds de quadrinhos e cinema que já brincaram muito de tentar escalar paredes por aí.
Homem-Aranha está disponível para streaming nos catálogos do Globoplay e Netflix.