The Boys chega à metade da temporada refletindo sobre a natureza de heróis e monstros

Com uma estreia cheia de reviravoltas e momentos chocantes, a terceira temporada de The Boys deixou claro que a jornada continuará tão ácida e chocante quanto antes. Por isso, chega a ser surpreendente que o novo ano chegue à metade em um tom quase reflexivo.

Lançado nesta sexta-feira (10) no Amazon Prime Video, o quarto capítulo parte da sátira sangrenta e afiada para um cuidadoso estudo sobre o que é preciso para tornar uma pessoa de carne e osso em herói ou monstro.

[A partir daqui, spoilers do quarto episódio da terceira temporada de The Boys]

O quarto episódio de The Boys acompanha o grupo de Billy Bruto (Karl Urban) na missão de encontrar a tal arma capaz de destruir o Capitão Pátria (Antony Starr). Em uma verdadeira trama internacional, eles acionam a mafiosa russa Pequena Nina (Katia Winter) para uma parceria que funciona de forma simples: Em troca de muito dinheiro e um pequeno favor para a antiga chefe do Francês (Tomer Capon), ela mexe pauzinhos para entregar a eles a localização do tal dispositivo matador de supers.

Hughie, Billy Bruto, Francês, Kimiko e Leitinho da Mamãe em The Boys

Antes da empreitada que leva o grupo à Russia, Bruto precisa explicar a Hughie (Jack Quaid) que está usando o V24, a versão temporária do Composto V que concede poderes por 24 horas. Ainda que Billy jure que foi só uma vez, apenas como parte da missão, é impossível ignorar que o uso da substância o torna um super. Uma condição que o capítulo aproveita para mostrar que, nas condições certas, os mocinhos podem facilmente se tornar o que juraram combater.

É claro que o personagem de Karl Urban nunca foi exatamente um vigilante virtuoso, chegando a se provar um grande canalha em diferentes situações. Porém, é perceptível como o novo capítulo foca em seu lado sombrio após o uso de V24 – cujo consumo é filmado no mesmo tom grave do utilizado por dramas sobre pessoas viciadas em drogas.

Essa faceta de Bruto aparece não apenas quando ele recorre aos poderes para matar outras pessoas, mas também quando ele sente confiança o suficiente para diminuir as pessoas próximas ao seu redor. Não é por acaso que as atitudes cruéis que atingem Ryan (Cameron Crovetti), Francês e Kimiko (Karen Fukuhara) tenham surgido logo após ele ganhar poderes.

Nesse ponto, Billy ser implacável com a jovem chega a ser quase poético. Enquanto ele aceita abrir mão da própria humanidade para cumprir a tarefa, ela passa por uma crise contrária. Amaldiçoando os próprios poderes, Kimiko deseja ao máximo deixá-los para trás para poder ser uma pessoa, e não uma arma. Um arco que só não é pura poesia porque ganha força após ela promover um sangrento massacre usando consolos com temática de super-heróis.

Tomer Capon e Karen Fukuhara como Francês e Kimiko em The Boys
Francês e Kimiko dividem esperanças de um futuro melhor

O contraste é tão verdadeiro que o próprio Bruto define as novas habilidades como uma “maldição” quando Hughie pede para usar o V24. Um momento rápido em que ele demonstra plena consciência dos perigos do caminho que decidiu trilhar na busca para se vingar do Capitão Pátria (Anthony Starr).

A ascensão do Capitão Pátria

E por falar em Capitão Pátria, o episódio mostrou o maior super deste universo ganhando ainda mais poder. Aproveitando da popularidade que recebeu após o inflamado discurso que deu nos capítulos anteriores, ele segue indo à TV reclamar sobre como poderosos tentam controlá-lo e silenciá-lo – uma declaração no mínimo curiosa, vindo do ser mais famoso do planeta em um programa de TV.

Porém, mais do que jogar para a plateia em rede nacional, o Capitão Pátria também trabalha nos bastidores para tirar seus inimigos do caminho. Ao descobrir que Stan Edgar (Giancarlo Esposito) tinha um plano para pressioná-lo publicamente, ele decide atacar primeiro e fecha um acordo com Victoria Neuman (Claudia Doumit).

Em troca de Composto V permanente para a filha, em uma tentativa desesperada de deixá-la segura com superpoderes, a deputada se volta contra o próprio Stan Edgar. Ele, que sugeriu a ela fazer uma coletiva para pressionar o Capitão Pátria, acabou sendo alvo da apresentação, sendo acusado publicamente de cometer crimes enquanto CEO da Vought. Com Edgar afastado, o Capitão Pátria passou a ser não apenas o rosto da empresa, como também seu chefe. Uma mudança no status-quo que dá a ele ainda mais poderes sobre aqueles que o cercam.

Antony Starr como Capitão Pátria em The Boys
Capitão Pátria assumindo o controle

Acontece que mesmo em seu momento de glória, ele descobre que mesmo com tanto poder ele não pode comprar tudo. Em uma das cenas mais impactantes da temporada, abrilhantada pela firme atuação de Giancarlo Esposito, Stan Edgar não cai nas provocações do Capitão Pátria e coloca o homem mais poderoso do mundo aos seus pés ao se mostrar pouco impressionado pela manobra.

Sem nunca alterar a voz, o empresário espezinha no orgulho do super, a quem define como um “produto ruim”, e ainda deixa a agourenta previsão de que alguma hora o mundo verá quem ele é de verdade.

Enquanto se esforça para enganar os fãs ao seu redor, o Capitão Pátria só mostra sua verdadeira face àqueles que tenta controlar. Uma dessas pessoas é Luz-Estrela (Erin Moriarty), que organizava um complô entre os Sete em busca de apoio para quando chegasse a hora de matá-lo.

Para o motim, a jovem buscou ajuda do Supersonic (Miles Gaston), que pediu auxilio para o Trem-Bala (Jessie T. Usher), que por sua vez contou tudo ao Capitão Pátria. Como aviso, o super usou seus poderes para matar o Supersonic da forma mais sangrenta possível para deixar um aviso a Luz-Estrela. Caso ela continue com a ideia de derrubá-lo, o próximo a ter esse destino será Hughie.

De volta à Russia

O que ele não sabe, é que  Hughie estava do outro lado do mundo em busca de uma forma de matá-lo. Graças à ajuda da Pequena Nina, ele e os rapazes chegam ao complexo militar que guardaria a tal arma. Porém, o que parecia ser uma missão fácil de extração se complica quando um hamster com Composto V chama a atenção de um batalhão de soldados que cerca a equipe.

Com os companheiros cercados e sem munição, Billy Bruto coloca os novos dons para jogo e não apenas atrai tiros que não o ferem, como usa visão de calor para massacrar os inimigos. O ato heróico não é o suficiente e o Leitinho da Mamãe (Laz Alonso) é pego pelas costas, o que leva Hughie a se teleportar e usar superforça para atravessar o militar com o braço. Essa é a forma sangrenta que ele revela ter usado um pouco do Composto V temporário de Bruto.

Grupo de Billy Bruto em The Boys

Depois da discussão sobre a questão – em que Kimiko pergunta por que alguém faria isso consigo mesmo por querer – eles decidem abrir o container da arma. Para a surpresa deles, mas não do público, o que está dentro não é o tal BCL Vermelho, mas sim o próprio Soldier Boy (Jensen Ackles), vivo.

Chocante o suficiente, a descoberta atinge o grupo em níveis pessoais. Primeiro o Leitinho da Mamãe, que se vê diante do homem que assassinou sua família. E depois o próprio time, já que a primeira reação dele é usar um poder para atacá-los. Para salvar o Francês, Kimiko pula na frente da rajada de energia do super e acaba atingida. O problema é que o poder dele aparentemente tira os dela, que não consegue se recuperar como havia feito após levar uma bala na cabeça.

Jensen Ackles como Soldier Boy em The Boys
Soldier Boy sai da jaula

O super foge e a missão fracassa, despedaçando o grupo dos rapazes. Enquanto Leitinho e Francês tentam salvar a vida da jovem, Hughie curte os novos poderes e Bruto pensa em planos. Dois comportamentos francamente egoístas que voltam a abordar como o V24 pode corromper aqueles que concede os poderes. Uma conclusão que o próprio LM chega ao dizer que os atos de Bruto separaram o time de uma forma que nem ele consegue unir novamente.

De monstro a herói?

Se a jornada de Bruto – e talvez Hughie – mostra como pessoas boas podem ser corrompidas pelo poder, o núcleo dos supers conta com uma trama contrária. Após descobrir que o herói Falcão Azul estava usando poderes para brutalizar pessoas negras, o Trem-Bala decide fazer algo a respeito.

Primeiro ele tenta conversar com Ashley (Colby Minifie), que o ignora, e depois leva a questão para os Sete. A segunda tentativa também acaba frustrada, já que o Profundo (Chace Crawford) e sua esposa aproveitam a oportunidade para ganhar uns pontos com o Capitão Pátria e vão contra a ideia de fazer com que o Falcão Azul pague.

Mesmo que o final do episódio tenha revelado que o Trem-Bala se acovardou e contou ao Capitão Pátria sobre sobre o plano para derrotá-lo, essa trama indica que o personagem finalmente entrou em uma jornada de amadurecimento. Ponto de partida da história ao matar a namorada de Hughie, o velocista finalmente parece interessado em usar seus grandes poderes para assumir grandes responsabilidades.

Jessie T. Usher como Trem-Bala em The Boys
Trem-Bala e seu novo uniforme

É claro que essa tomada de consciência não é inédita, já que a própria Rainha Maeve (Dominique McElligott) havia passado por isso anteriormente. Mas ela acontecer com o Trem-Bala dá à série a chance de tecer mais comentários a respeito de representatividade vazia. Tema que ganha destaque quando o velocista grava um comercial de energético em que resolve um protesto contra violência policial. Somado ao diálogo em que Ashley reduz um movimento sério como Vidas Negras Mais à sua “hashtag preferida”, esse enredo expande a crítica à forma como grandes corporações transformam temas sociais relevantes em mercadoria.

E é nesse ponto que The Boys se mostra uma série mais esperta do que parece. É claro que o público vai passar a próxima semana falando sobre a surra de vibradores, mas a produção vai além e se dedica a estudos de personagem e até a pontuais críticas sociais. Tudo isso sem esquecer o humor anárquico e o espetáculo de vísceras e sangue que tornou a série tão famosa.

The Boys ganha novos episódios às sextas-feiras no Amazon Prime Video.

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