Succession choca e emociona em potente temporada final | Crítica

O burburinho nas redes sociais deixa até difícil lembrar que Succession passou boa parte de sua existência fora do radar. No ar desde 2018, a série da HBO tinha seu séquito fiel de fãs, mas nunca atingiu os níveis de antecipação quase futebolísticos de uma Game of Thrones da vida. Talvez até por isso, a trama tenha fincado o próprio espaço na dramaturgia longe de altas expectativas e da necessidade de ganchos e plot twists, para focar em algo mais complicado e difícil de trabalhar do que qualquer uma dessas coisas: pessoas.

Sim, debaixo de toda a fofoca, ostentação, drama e reuniões sobre preços de ações, Succession é sobre pessoas e suas (complicadas) relações. Não seria nem exagero imaginar que, despida do glamour associado a produções da HBO, a trama funcionaria perfeitamente como uma trágica e deliciosamente brega telenovela (sem absolutamente nenhum demérito). Principalmente por isso, é louvável que a série respeite a própria essência, mantendo-se viciante e muitíssimo bem-produzida em sua quarta e última temporada, mas sem cair nas armadilhas trazidas pela merecida (ainda que tardia) popularidade.

O quarto ano coloca os irmãos Kendall (Jeremy Strong), Roman (Kieran Culkin) e Shiv Roy (Sarah Snook) em um raro momento de união contra os desmandos do pai, o magnata das comunicações Logan Roy (Brian Cox). A briga de família vem pela possibilidade do patriarca vender a própria empresa para um ascendente e excêntrico empresário de streaming (Alexander Skarsgard), ameaçando a herança e prestígio dos filhotes Roy.

O que se vê é a sucessão (sem trocadilhos) de conflitos e traições que se espera do já afiado roteiro encabeçado por Jesse Armstrong, mas que ganha um outro patamar com a atuação do elenco principal. Cada um a seu modo, Strong, Culkin e Snook encarnam tudo que há de pior e mesquinho em ricaços sofrendo por mais dinheiro e poder, ao mesmo tempo em que conciliam, aqui e ali, pequenos momentos para o público criar empatia com os personagens. E sim, pode parecer irônico afirmar que “os ricos também sofrem”, mas despida dos ternos de luxo e relógios mais caros que o meu apartamento, o coração da série inteira, e mais ainda na última temporada, é a busca da aprovação dos filhos por Logan, com Brian Cox entregando uma das performances mais sólidas da TV nos últimos anos.

Sem carinho, empatia ou qualquer traço que sequer se assemelhe com o que conhecemos como “bondade”, Cox ainda assim consegue tornar o crápula adorável, causando até um tantinho de culpa pelos espectadores se deliciarem com a rabugice do velho Roy. O ator, de longe, domina todas as cenas que participa, conseguindo imprimir às vezes só com um olhar ou um grunhido quem é que manda de fato na família (e na série).

Um olhar mais cético poderia citar um senso de repetição do que já vimos nas três temporadas anteriores, com novas situações. Mas se o leitor permite uma pequena filosofia de boteco: essa é a vida. Momentos grandes virão, perdas são parte da vida, mas nem sempre estaremos presentes para tudo.

É corajoso, então, que Succession saia dessa zona de conforto se permitindo um único grande plot twist na temporada, logo no terceiro episódio. A virada chega como uma puxada de tapete não só no elenco e na trama, como também no espectador. O episódio “O Casamento de Connor” é o ponto chave de toda a família Roy na série inteira. Se uma produção mais convencional (por falta de uma expressão melhor) ordenharia o drama e a antecipação, o baque chega de forma totalmente inesperada, mas também natural. Do tipo que gera infinitas discussões no Twitter e um bom empurrãozinho na audiência, sem soar gratuito.

Matthew Macfadyen e Brian Cox em cena de Succession. Crédito: HBO/Divulgação

Livre de sua maior âncora, para o bem ou mal, Succession navega pela reta final de episódios de forma melancólica. Mesmo as vitórias são, no fundo, derrotas na vida dos personagens, em uma temporada bela e agridoce. Capítulos como “A América Decide” e “A Festa Pré-Eleição” são bons exemplos de como os grandes acontecimentos (neste caso, uma eleição presidencial) acabam servindo como pano de fundo para as dores e conflitos dos Roy.

Se só os casos de família seriam suficientes para sustentar o entretenimento, personagens que orbitam o núcleo principal, como o sacana Tom (Matthew Macfadyen), o oportunista Greg (Nicholas Braun), o sempre esquecido irmão mais velho Connor (Alan Ruck), e o trio executivo Gerri (J. Smith-Cameron), Frank (Peter Friedman) e Karl (David Rasche) continuam divertidos de acompanhar, sustentando um respiro e um relativo ar de sanidade enquanto pais, irmãos e filhos buscam se esganar.

O personagem de Macfadyen, arriscamos dizer, tem a jornada mais interessante entre o elenco ao longo das 4 temporadas, galgando o caminho até o topo com uma maravilhosa dose de cinismo e cara de pau, até o ápice de Tom, inesperado para alguns, mas totalmente coerente com o que vimos nos últimos 5 anos.

A tragédia de Kendall, Shiv e Roman é nunca conseguirem fugir completamente não só da sombra do pai, como dos próprios demônios, por mais que se esforcem. Cada um à sua maneira, os três acabam reforçando que são mais parecidos com o pai do que gostariam, mesmo quando buscam ao máximo se destacar como indivíduos.

Enquanto Kendall passou as 3 temporadas anteriores tentando se provar melhor e mais humano que o pai, Shiv e Roman aceitam, com certa resignação, o papel que lhes foi concedido pela vida de luxos. É significativo, então, que justo a ganância do Roy “mais velho”, um título irreal que Kendall faz questão de frisar, seja o tiro que sai pela culatra no desfecho da série.

Trata-se de “um” final que pode não ser exatamente “o” final, mas isso talvez nem importe. Succession se junta ao hall de séries que conseguiram finais satisfatórios sem necessariamente se render a expectativas de quem quer que seja. Afinal, a vida continua, em uma sucessão eterna.

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