Antologia Diabólicos, de The Boys, expande o universo da série sem abandonar a anarquia

The Boys surgiu como uma resposta sangrenta e desbocada surgiu ao auge da popularidade dos super-heróis no cinema e na TV. Baseada em uma HQ que fez o mesmo alguns anos antes, a série caiu nas graças do público e não demorou para ganhar derivados. O primeiro deles é The Boys Apresenta: Diabólicos, antologia animada que reúne uma equipe criativa de peso em episódios que divertem e emocionam ao passear por diferentes gêneros e estilos.

Diabólicos é uma série de curtas que apresentam histórias fechadas. Cada uma delas é contada em um tipo diferente de animação, indo desde o musical cartunesco a lá Looney Tunes, passando por animes e até comédias adultas como Rick and Morty. Essa diversidade visual é acompanhada também pelas histórias, que por vezes tomam rumo de gêneros como drama e até comédia romântica.

Em comum, eles têm apenas o fato de se passarem no mesmo mundo da série do Amazon Prime Video. Algumas características permeiam quase todos os episódios, como o fato dos super-heróis serem, em sua maioria, babacas e na descoberta que os poderes surgiram da substância Composto V. A partir desses dois conceitos, o time absurdamente talentoso por trás dos roteiros, direção e vozes expande esse universo em histórias quase corriqueiras.

Como adiantado por Eric Kripke, showrunner de The Boys, Diabólicos não se preocupa muito em estabelecer ligações com a série principal. Se essa escolha pode afastar uma parte da audiência mais ávida apenas a descobrir pistas sobre o futuro de Billy Bruto e companhia, ela também garante que o projeto caminhe com as próprias pernas e ganhe o público nos próprios termos.

É o que acontece em alguns dos pontos altos da produção. Escrito pela dupla Evan Goldberg e Seth Rogen (Superbad) e dirigido por Crystal Chesney-Thompson (Futurama) e Derek Thompson (Phineas e Ferb), “Laser Baby’s Day Out” honra a inspiração em animações clássicas como Looney Tunes em uma comédia muda que aproveita ao máximo de uma estética e um tipo de humor muito característicos.

Já “An Animated Short Where Pissed-Off Supes Kill Their Parents” traz Justin Roiland (Rick and Morty) e Ben Bayouth (Blark and Son) para contar uma história de supers que decidem matar pais que os rejeitaram por seus poderes após descobrirem que foram os próprios genitores que causaram suas mutações ao escolher usar o Composto V. O criativo banho de sangue comandado por Parker Simmons (DC Super Friends) unido ao texto ácido lembra muito os outros trabalhos de Roiland e caem como uma luva em The Boys.

Porém, a produção não se contenta em jogar apenas no seguro, como prova “John and Sun-Hee”. Escrito por Andy Samberg (Brooklyn Nine-Nine), o capítulo mostra um homem idoso desolado pela iminente morte da esposa que resolve aplicar o Composto V nela como uma última tentativa de curá-la. A forte carga dramática do texto é amplificada pela delicada direção de Steve Ahn (Star Trek: Prodigy), que brilha tanto nas sequências de fuga e ação, quanto nos momentos de respiro e contemplação – que se fazem presentes mesmo em um episódio com aproximadamente 10 minutos de duração.

Essa versatilidade pode ser vista também em “Boyd in 3D”, a maior prova do sucesso de Diabólicos enquanto projeto. Escrito por Eliot Glazer (New Girl) com base em uma história pensada por ele e Ilana Glazer (Broad City), o capítulo gira em torno da ascensão e queda de um casal que se torna celebridade ao usar um produto a base de Composto V para mudar a aparência. A elegante direção de Naz Ghodrati-Azadi (Trolls: O Ritmo Continua) se aproveita ao máximo da estética polida ao estilo Pixar e da temática de redes sociais para contar uma história simples e engajante que definitivamente pertence a este universo sem fazer a menor menção a heróis ou vilões.

É claro que o lado super-heróico se faz presente, aparecendo principalmente em “One Plus One Equals Two”, uma inesperada volta ao início da carreira do Capitão Pátria como super-herói da Vought. Escrita por Simon Racioppa, de Invencível, a trama não traz nada de novo sobre ele, mas mostrar seus primeiros dias traz uma complexidade que honra toda a construção do personagem no live-action. Em questão de minutos são expostas suas inseguranças, medos, desejos e até como ele chegou a se sentir confiante ao falhar miseravelmente em salvar vidas e ainda assim sair por cima.

É uma pena que a qualidade dos episódios não seja homogênea e faça com que Diabólicos sofra com momentos menos inspirados. Um deles é  “I’m Your Pusher”, escrito por ninguém menos que Garth Ennis, criador da HQ que deu origem à série. Contido, o episódio mostra Billy Bruto e Hughie se unindo para derrubar um super babaca em uma trama pouco surpreendente que foca mais na verborragia ácida e no banho de sangue. Ela serve mais como um presente para os fãs da HQ ao homenagear sua estética da obra, incluir personagens que não chegaram ao live-action, e colocar Simon Pegg para dublar o Hughie. Isso porque o ator serviu de base para o visual do personagem nos quadrinhos, então é um fechamento de ciclo para quem curte metalinguagem.

O mesmo se pode dizer tanto de BFFs quanto de Nubian vs Nubian, que deixam a desejar por não atingir o altíssimo potencial que demonstram em seus minutos iniciais. Enquanto o primeiro, escrito e protagonizado por Awkwafina (Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis), é raso ao ponto de parecer um episódio preguiçoso de South Park, o segundo falha em dosar comédia e ação. Ficando pelo meio do caminho nos dois quesitos, o capítulo é salvo pela entrega dos dubladores, que tiram do texto o máximo de comicidade possível.

É claro que cada produção tem sua proposta e objetivos, mas é curioso que The Boys Apresenta Diabólicos seja lançado logo após a toda poderosa Marvel levar seu universo compartilhado para as animações com What If…?. A diferença é como água e vinho, fazendo com que a resposta boca-suja e sangrenta saia melhor do que a concorrente em quase todos os aspectos por focar nas histórias que teve a contar.

Diabólicos pega a contramão de muitos derivados e e amplia seu universo justamente ao abrir mão de qualquer pretensão. Com quase nenhuma intenção de entregar pistas ou respostas sobre a série principal, animação acaba por expandi-la justamente ao direcionar seu olhar para outros cantos, que passam despercebidos no meio dos eventos mais grandiosos e absurdos do live-action.

The Boys Apresenta: Diabólicos estreia em 4 de março no Amazon Prime Video.