Cavaleiro da Lua tomou rumos, no mínimo, questionáveis no terceiro episódio. A trama mergulhou na mitologia egípcia e apresentou um vilão clássico das HQs mas, em contrapartida, apontou a série para um caminho previsível e pouco inspirado. Felizmente, essa impressão foi desfeita no quarto capítulo, que chegou ao Disney+ nesta quarta-feira (20).
Rumando para o final, a produção da Marvel recuperou o fôlego focando ainda mais no lado arqueológico da aventura, e apostando alto em uma virada surpreendente.
[A partir daqui, spoilers do quarto episódio de Cavaleiro da Lua]
O quarto episódio de Cavaleiro da Lua começa logo após Khonshu unir forças a Steven (Oscar Isaac) para encontrar a tumba da deusa Ammit. Como resultado, o deus da Lua acabou aprisionado e o rapaz desmaiado pelo cansaço. É claro que a ação da dupla não passou despercebida, e cabe a Layla (May Calamawy) salvar a si e o amado de homens armados enviados por Arthur Harrow (Ethan Hawke).
Com cenas que criam tensão em um cerco aparentemente inescapável, a jovem consegue se livrar dos caçadores sem a ajuda de deuses ou ternos especiais. Além da própria ação ser empolgante, o trecho faz um ótimo uso do contraste entre claro e escuro na vastidão do deserto da Jordânia, que serviu de cenário para a produção.
Quando acorda, Steven precisa lidar com desgastes internos e externos. De um lado, a personalidade Marc Spector pede o controle do corpo que dividem enquanto, do outro, Layla está brava por terem combinado de sair da vida dela sem consultá-la. O assunto os acompanha até a tumba de Ammit que, a essa altura, já foi aberta por Harrow e seus comparsas.
Levou mais da metade da temporada, mas a série finalmente aproveitou a brecha de triângulo amoroso entre Layla e as personalidades Marc e Steven. O ciúmes do primeiro e a paixão inocente e envergonhada do segundo criam dinâmicas divertidas e naturais – indo na contramão de vários romances forçados nas produções anteriores da Marvel.
Mais do que o texto, essa relação é beneficiada pelas performances de Oscar Isaac e May Calamawy. Além de expandir a química que já havia dado as caras no último episódio, a relação serve para desenvolvê-los separadamente. É o caso das transições de Isaac entre a fragilidade de Steven e a firmeza de Marc, e a da força e independência que Calamawy confere à sua personagem. O principal exemplo está no diálogo sobre como eles se afastaram pelo medo de que Khonshu a escolha como avatar, que demonstra as duas facetas, com Layla afirmando que não busca proteção no parceiro, e sim honestidade – uma questão que será colocada em cheque adiante.

O episódio sabiamente aproveita essa dinâmica e se desenrola em torno dela. Por um lado, eles exploram a pirâmide em busca de impedir Harrow enquanto, do outro, se abrem sobre eles mesmos. O primeiro caso é abordado em situações de aventura arqueológica ao melhor estilo Indiana Jones, uma missão em que Steven se destaca graças a anos de estudo da mitologia egípcia – por vezes beirando uma espécie de deus ex machina, em que ele sabe todas as respostas necessárias para avançar.
Gradualmente, a empolgação da aventura dá lugar ao suspense, já que a escuridão do interior da pirâmide guarda seus terrores. Essa atmosfera é amplificada por sons de tiros e criaturas, um prenúncio sinistro do surgimento de uma múmia que chega a matar um dos bandidos em uma espécie de ritual.
A tensão se desenrola fazendo uso de silêncio e do horror que pode estar escondido em plena vista. A constante paranoia de que o escuro pode abrigar uma ameaça é efetiva, e torna toda a sequência inquietante, especialmente porque a tensão se desenrola sem alívios cômicos ou algo do tipo. Quando a perseguição silenciosa dá lugar a uma fuga desesperada, Layla volta a se destacar na ação e cai na porrada contra a criatura, saindo vitoriosa após uma luta que compensa seu ritmo com um desfecho surpreendente.

Do outro lado, Steven finalmente encontra a tumba do avatar de Ammit. Mesmo com seu vasto conhecimento sobre a cultura egípcia, ele ainda se surpreende ao descobrir que ela pertence a ninguém menos do que Alexandre, O Grande, que agia como a voz de Ammit. É com ele que o explorador encontra a estátua em que a deusa foi aprisionada.
Porém, antes de conseguir fazer algo, ele reencontra Layla, que havia passado os últimos minutos conversando com Arthur Harrow. Com toda a sua lábia, o vilão diz que o pai dela estaria orgulhoso da filha por confirmar que os deuses egípcios estão entre nós. Ele então acusa diretamente Marc de fazer parte do bando de mercenários que matou o pai dela e cinicamente diz que apenas espera que ela encontre “fechamento” para seu luto. Uma manipulação violenta disfarçada em palavras doces.
É assim que ela confronta o ex-marido e finalmente descobre a verdade. Marc assume o controle do corpo e revela que não matou o pai dela, mas admite que estava lá quando aconteceu. Fazendo referência direta à origem do personagem nas HQs, ele diz que seu parceiro ficou ganancioso e acabou matando todo mundo. Marc, por sua vez, tentou salvá-lo e acabou alvejado pelo antigo colega, que o deixou para morrer. O que impediu sua morte foi Khonshu, que o salvou e o recebeu como novo avatar.
Ainda que Marc não tenha matado seu pai, a revelação deixa Layla magoada ao perceber que o rapaz só foi atrás dela por estar com a consciência pesada em participar do atentado. Uma pena que a conversa é novamente interrompida por Harrow e seus homens. O mercenário até resiste e mata alguns dos vilões, mas acaba baleado e cai de costas em um fosso da pirâmide em um momento que lembra imediatamente a cena de hipnose de Corra! (2017).

O que acontece a seguir é uma reviravolta que justifica o falatório a respeito do quarto episódio da temporada. Ao invés de mostrar o destino de Marc, o momento corta para um filme de aventura protagonizado por um arqueólogo chamado Steven Grant. Quem assiste à produção, chamada Caçador de Tumbas, é Marc Spector, que aparece preso em um hospício.
Assim como na elogiada HQ de Jeff Lemire (Sweet Tooth) e Greg Smallwood (Vingadores Selvagens), o rapaz acorda em um sanatório duvidando da realidade das coisas que viveu até ali. Os pacientes do local são o elenco de apoio da série e os enfermeiros são os capangas de Arthur Harrow. A consternação fica maior conforme os elementos da série vão ganhando novos significados, em uma grande brincadeira metalinguística que surge quase como uma piada interna entre a produção e o espectador.

Para a surpresa de ninguém, o psicólogo da instituição é Harrow – que chega ao requinte de brincar que gosta do vilão do filme que Marc estava assistindo. Em mais um grande momento de Ethan Hawke, o doutor tenta explicar a situação ao paciente, que se revolta, responde com violência e tenta fugir dali.
Na retirada ele se esconde em uma sala ocupada por um sarcófago. Ele abre o caixão e liberta Steven, uma de suas outras personalidades. Após comemorar o reencontro, eles compartilham memórias, revelando que se lembram de terem sido baleados por Arthur Harrow.
Juntos eles continuam a fuga e topam com mais um sarcófago, mas escolhem não abri-lo. Essa é a mais nova pista que a série dá de que o protagonista tem mais uma identidade escondida, o que aquece os rumores de que Jake Lockley – a personalidade taxista do Cavaleiro da Lua nas HQs – deve aparecer em breve. Antes do episódio acabar, a dupla se assusta ao dar de cara com uma deusa com cabeça de hipopótamo.
Essa virada de mesa, colocando Steven e Marc separados em um hospício, traz uma bem-vinda dose de imprevisibilidade. Se o terceiro episódio parecia ter definido os próximos passos da jornada sem grandes surpresas, o quarto vira a mesa e enche a cabeça do protagonista – e do público – de dúvidas.

Outro ponto positivo de Cavaleiro da Lua até aqui é a evolução de Steven. Ainda que muitos fãs se queixem de que o personagem se tornou bobo, é cativante vê-lo se esforçar para fazer bonito em uma missão que cairia bem para a personalidade brucutu. É a velha história de como um homem comum se torna um herói, com o diferencial que dessa vez ele literalmente guarda uma versão heroica de si mesmo. E o faz de forma consciente, como alguém que não foge das responsabilidades e prefere sujar as mãos do que simplesmente ceder o controle a outra pessoa.
É com esse espírito de reviravolta que a série volta ao jogo e abre as portas para um final menos óbvio do que se desenhava. Um necessário fôlego para uma produção que acertou em tantos aspectos e merecia mais do que a confortável jornada feita e refeita tantas vezes dentro da fórmula Marvel.
Cavaleiro da Lua ganha novos episódios às quartas-feiras no Disney+.