Cavaleiro da Lua tropeça em vícios da fórmula Marvel em final morno

Primeira série da Marvel dedicada a um personagem inédito ao seu universo cinematográfico, Cavaleiro da Lua trilhou uma jornada irregular. A mistura entre aventura arqueológica e suspense psicológico atingiu seu ponto alto em um quinto episódio emocionante que, infelizmente, preparou terreno para uma conclusão que não teve o mesmo impacto.

Lançado nesta quarta-feira (4), o sexto e último capítulo da temporada promoveu uma conclusão apressada, que abandonou qualquer sutileza em favor de velhos vícios da fórmula Marvel.

[A partir daqui, spoilers do sexto episódio de Cavaleiro da Lua]

O episódio final da temporada começa mostrando o que estava acontecendo no mundo real após Arthur Harrow (Ethan Hawke) balear Marc Spector (Oscar Isaac). Enquanto o mercenário partia em uma jornada de autodescoberta ao lado de sua outra identidade, o vilão finalmente colocou as mãos na estátua que prendia Ammit, a deusa que pretendia libertar. Ele volta ao Cairo, onde poderia realizar o ritual para trazer a divindade de volta à Terra.

Sem saber, o comboio de seus capangas havia sido infiltrado por Layla (May Calamawy), que decide matá-lo para colocar um fim ao plano maligno. Mas antes que tenha a chance de vingar seu esposo, a jovem é contatada pela deusa Tuéris, que passa o recado de Marc para que Layla liberte Khonshu.

Tuéris aproveita a oportunidade para oferecer à jovem a chance de se tornar sua avatar, uma proposta tão repentina que acaba se tornando um prenúncio nada sutil para o que viria a seguir. Layla nega e segue o rastro de Arthur até a pirâmide de Gizé, onde o deus da Lua está aprisionado. Os malfeitores surpreendem os avatares dos outros deuses, que finalmente se unem contra o vilão após serem enganados de forma tão fácil no terceiro episódio.

Para a surpresa de ninguém, Harrow os mata sem a menor dificuldade e quebra a estátua que aprisionava Ammit. A gigantesca deusa com corpo de jacaré surge de maneira imponente com um visual ameaçador. Livre, ela conhece seu discípulo, que demonstra profunda lealdade ao oferecer a própria vida em prol do que acredita. Isso porque sua balança está desequilibrada, o que daria a Ammit o direito de tirar sua vida.

Ela, por outro lado, prefere poupá-lo para ter um servo fiel. Traindo os próprios princípios, ela diz que seu último lacaio tinha a balança equilibrada e ainda assim não a salvou de ser presa pelos outros deuses. Em mais um grande momento de Ethan Hawke na pele do antagonista, ele agradece a dádiva e aceita se tornar o avatar dela.

Em outro canto da pirâmide, Layla liberta Khonshu. Ao não sentir a presença de Marc Spector, ele pede para que a jovem se torne seu novo avatar para poder derrotar Ammit. Mesmo com toda a chantagem emocional de culpá-la pela morte de Marc, ela não aceita o trato e propõe uma parceria sem que precise se tornar uma “escrava” dele.

Enquanto tudo isso acontece no mundo dos vivos, Marc Spector é recebido por Tuéris no Campo de Juncos, o paraíso da cultura egípcia. Como um bom herói, ele renega aos próprios interesses e volta para resgatar Steven, que havia ficado preso no submundo. Ao encontrar a alma petrificada de seu outro eu, ele se abre e agradece por tudo o que eles passaram juntos, chamando essa personalidade de seu “único superpoder verdadeiro”.

Por mais belo que seja esse momento de união, especialmente por mostrar um Marc sincero e vulnerável, não deixa de ser frustrante o quão fácil foi trazer Steven de volta. Sem motivo aparente, além de ficar comovido pelo desabafo do protagonista da história, Osíris os descongela e abre os portões para que possam voltar para a Terra. Um Deus Ex Machina nada sutil que tira muito do impacto da queda de Steven.

Os dois retornam no momento em que Khonshu parte para confrontar Ammit pessoalmente. Durante a pancadaria, ele aponta a hipocrisia dela de querer balanço e ainda assim acolher Arthur Harrow como avatar. Durante o confronto divino, ele sente o retorno de Marc e se teletransporta para a pirâmide em que o rapaz está. Nesse ponto, as duas personalidades do protagonista entram em consenso e dizem que só vão ajudar Khonshu caso ele os liberte após a conclusão da missão.

Para chegar ao Cairo, onde estão Arthur Harrow e Ammit, o Cavaleiro da Lua ganha a habilidade de voar até lá através dos céu noturno, um dos locais comandados pelo deus da Lua. Esse é mais um Deus Ex Machina difícil de ignorar para a conta do finale. É claro que universos fantásticos não precisam justificar cientificamente cada nova habilidade de seus personagens, mas dons que surgem convenientemente de última hora sem que o herói os conquiste soam sempre forçados.

Enquanto isso, Layla descobre que só é possível impedir a deusa maligna prendendo-a em um corpo mortal durante um ritual que só pode ser realizado por avatares. Como último recurso, ela diz a Tuéris que aceita se tornar avatar da Deusa, um acordo que é fechado após a hipopótamo dar um grito que chama a atenção de Harrow e seus comparsas.

A sequência marca um dos pontos baixos da temporada, em que Layla e Tuéris tem uma conversa trivial e boba enquanto a pirâmide literalmente desaba sobre elas. Ainda que seja muito divertido ver May Calamawy transitando entre a mortal e a deusa, o nível de perigo e riscos torna esse diálogo deslocado e parece só estar ali para dar tempo do Cavaleiro da Lua chegar para o combate final. Esse é um dos vícios mais conhecidos da “fórmula Marvel“: tentar encaixar piadas e alívios cômicos a qualquer custo.

O herói finalmente chega quando Harrow e seus capangas usam os poderes de Ammit para julgar civis e alimentá-la com suas almas. Nesse ponto, a série entra em uma de suas melhores sequências de ação. De um lado, Khonshu e Ammit aparecem em versões gigantescas travando uma luta divina que lembra muito combate de kaijus. Do outro, Cavaleiro da Lua e uma versão super poderosa de Layla unem forças contra o vilão e seus lacaios.

Em uma combinação de ótima computação gráfica com coreografias de luta bem realizadas, os combates empolgam e divertem por finalmente colocar todo o potencial desses personagens para jogo. A parceria entre o casal, aliás, é tão bem realizada que chega a ser uma pena não ter acontecido antes.

Ainda assim, toda a sincronia da dupla não é o suficiente e Harrow ganha vantagem sobre eles, prendendo Layla e colocando Marc sob o julgamento de seu bastão mágico. Ao ver a amada em perigo, o mercenário tem um blecaute similar ao do terceiro episódio e acorda com todos os inimigos mortos, Layla salva e Arthur desacordado em suas mãos.

Para colocar fim ao reinado de terror de Ammit, os heróis levam o homem à pirâmide de Gizé e realizam o ritual que a aprisiona no corpo de seu antigo avatar. Nesse momento, Khonshu aparece pedindo para que o Cavaleiro da Lua mate o inimigo e acabe com a chance deles retornarem. Como etapa final em seu arco de amadurecimento, ele se nega a seguir a ordem cegamente e diz que se o deus da Lua quiser sua vingança, que faça com as próprias mãos.

Após salvar o mundo, Steven e Marc são libertados por Khonshu e acordam novamente no sanatório. Porém, como dessa vez não chegaram lá mortos, simplesmente se negam a ficar e escolhem acordar no mundo real. Assim, eles despertam no apartamento de Steven, prontos para seguir uma vida normal longe dos deuses egípcios.

Isso dura até a cena pós-créditos revelar que Khonshu ganhou um novo avatar. O escolhido foi justamente a terceira personalidade secreta dos protagonistas: Jake Lockley. Justificativa para os blecautes que Marc e Steven tiveram ao longo da temporada, ele parece ser uma identidade sanguinária que não se importa em matar para promover a vingança de Khonshu. Tanto que retira Arthur Harrow do sanatório em que está internado e o mata, fazendo o que as outras identidades se negaram.

Um dos pontos altos do episódio, a cena pós-créditos prepara terreno para os próximos passos na jornada do Cavaleiro da Lua no MCU. Sem saber, Steven e Marc vão precisar lidar com a existência de uma terceira identidade, que pode se tornar uma grande ameaça ao se mostrar sanguinário sem o menor remorso.

Porém, esse momento não tira o gosto amargo que o capítulo final deixou para a jornada que havia se construído até então. Uma conclusão marcada por coincidências, facilitações e poderes surgidos na última hora não combina com um estudo de personagem que expandiu o Universo Marvel e abordou questões de saúde mental enquanto brincou de Indiana Jones. Fica a torcida para que um dos heróis mais interessantes da Marvel nas HQs retorne em aventuras mais desafiadoras no futuro.

Todos os episódios de Cavaleiro da Lua estão no Disney+.

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