Comece 2022 conhecendo filmes diferentes

Que tal aproveitar a mudança no calendário para mudar também velhos hábitos cinematográficos? Não há problema algum em continuar voltando aos mesmos lugares familiares. Porém, conhecer um novo diretor, gênero, escola ou tipo de filme só traz vantagens: aumenta o repertório, o entendimento e a apreciação do cinema.

A seguir, uma lista de possíveis caminhos para furar a bolha e conhecer obras diferentes.

Ficção científica que não tenha nave espacial, robô ou alienígena

“O cineasta, a partir de um ‘pedaço de tempo’ feito de um enorme e sólido aglomerado de fatos vivos, apara e descarta aquilo de que não precisa, deixando somente […] o que se provar integral à imagem cinemática.” É assim que o diretor russo Andrei Tarkovsky define a essência de seu trabalho no livro Sculpting in Time (sem edição no Brasil). Essa ideia de “esculpir no tempo” é bem exemplificada em Stalker (1979), com suas tomadas longas, movimentos lentos de câmera e edição fluida e discreta.

Narra a história de um homem (Alexander Kaidanovsky) que trabalha levando pessoas clandestinamente a uma misteriosa zona proibida, onde as leis da Física não se aplicam. Dois clientes, um professor (Nikolai Grinko) e um escritor (Anatoly Solonitsyn), desejam ir lá para encontrar uma sala que supostamente concede a seus visitantes aquilo que mais desejam. Baseado no clássico da ficção científica Piquenique na Estrada, de Arkady e Boris Strugatsky, o roteiro é assinado pelos próprios irmãos, porém se afasta consideravelmente do material original. Pouco convencional, Tarkovsky se recusa a oferecer resoluções ou explicações diretas, preferindo se concentrar na discussão existencialista e no impacto emocional da iconografia que ele usa.

Fantasia que não tenha espada, mago ou dragão

Anjos existem e nos observam, embora não os possamos ver. Dois deles, Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander), vigiam Berlim, onde escutam os pensamentos dos habitantes, ponderam sobre sua natureza e, apesar de impedidos de interferir, vez ou outra oferecem um momento de consolo aos desesperados.

Em Asas do Desejo (1987), o cineasta alemão Wim Wenders apresenta uma fantasia intimista, reflexiva e cadenciada, que se beneficia da linda fotografia do francês Henri Alekan. O roteiro, assinado pelo diretor, em parceria com Peter Handke e Richard Reitinger, se concentra, a partir de certo momento, em Damiel – apaixonado por uma trapezista (Solveig Dommartin), o anjo decide abrir mão de sua imortalidade e se tornar humano. Essa parte do enredo inspirou uma espécie de remake hollywoodiano chamado Cidade dos Anjos (1998), com Nicolas Cage e Meg Ryan, menos sutil e mais melodramático.

Um filme chinês que não seja de ação

Dois policiais são os protagonistas, há alguma correria e até tiros são disparados, mas esse é o máximo de ação presente em Amores Expressos (2007) – que, como o nome sugere, gira em torno de temas como romance, solidão, conexão e a falta dela. O que não significa que o filme seja parado.  O diretor e roteirista Wong Kar-wai consegue imprimir energia mesmo na mais contemplativa das sequências, explorando habilmente o frenesi de Hong Kong, praticamente um personagem; a fotografia, que por vezes transforma o fundo em um borrão; e a trilha sonora pop, que serve como recurso narrativo.

Na trama, duas histórias não conectadas sobre policiais remoendo o fim de um relacionamento: o primeiro (Takeshi Kaneshiro) conhece uma misteriosa mulher de peruca loira (Brigitte Lin); o segundo (Tony Leung Chiu-Wai) vê sua vida mudar graças à garçonete (Faye Wong) da lanchonete que frequenta.

Um longa japonês que não seja de terror ou com samurais

Uma sala pouco mobiliada e dois bons atores: isso é praticamente tudo de que Escola do Riso (2004) precisa para cativar. Adaptação de uma peça, o enredo é ambientado em 1940, já no contexto da Segunda Guerra Mundial, porém antes do início da Guerra do Pacífico.

Nele, o dramaturgo Tsubaki (Goro Inagaki) tem de submeter sua nova comédia – uma paródia de Romeu e Julieta, de William Shakespeare – à análise do censor Sakisaka (Kōji Yakusho), um sujeito rigoroso e desprovido de senso de humor, que despreza o gênero e imediatamente rejeita a obra por entender que a temática é antipatriótica. O escritor, porém, consegue autorização para mudar o texto e reapresentá-lo no dia seguinte. Conforme as exigências do censor ficam cada vez mais descabidas, a peça melhora, ao passo que a relação entre os dois vai se transformando. O diretor Mamoru Hoshi extrai o melhor da dupla, bem como do cenário limitado, que parece crescer em momentos chave.

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