Como a música deu ritmo e coração aos Guardiões da Galáxia

O primeiro contato do grande público com os Guardiões da Galáxia não foi uma explosão, uma piada ou uma pancadaria espacial, mas sim uma música. Literalmente. Antes mesmo da tradicional logomarca do Marvel Studios, os primeiros segundos do filme de 2014 foram embalados pelos teclados etéreos de “I’m Not in Love”, sucesso do 10cc, no walkman do pequeno Peter Quill, ao leito de morte da mãe. Isso já era uma grande indicação de como a trilha sonora teria papel crucial não só embalando as aventuras do grupo, mas também pontuando toda a jornada pessoal dos heróis. A seleção musical se tornou uma marca constante nos três longas do grupo nos cinemas, ganhando até, podemos dizer, um papel próprio na obra.

Na narrativa do primeiro longa, boa parte das canções vem do walkman de Quill (Chris Pratt), com as duas fitas cassete gravadas pela mãe como presente para o então jovem Senhor das Estrelas. Mais tarde, no segundo, as fitas são substituídas pelo moderno Zune, dado ao herói pelo saqueador Yondu (Michael Rooker). É propício que uma das maiores paixões de Peter Quill seja estimulada justamente por suas figuras materna e paterna, como uma herança que o guardião faz questão de passar adiante aos colegas.

Quill e o bebê Groot ouvem uma musiquinha em Guardiões 2. Crédito: Marvel Studios/Divulgação

Na vida real, a trilha dos filmes é tão importante para o diretor e roteirista James Gunn ao ponto de ele mesmo admitir que quebra a cabeça para saber o que encaixar e onde. Falando ao Vulture em 2014, antes do lançamento do primeiro Guardiões, Gunn explicou:

“Comecei vendo todas as revistas com os sucessos dos anos 1970. Baixei algumas centenas de canções e fiz uma playlist que encaixaria no tom do filme. Eu escutava essa playlist em casa, e às vezes até criava cenas baseadas em uma canção. Outras vezes, alguma sequência precisava de música, e aí eu voltava à playlist e visualizava elas na telona, pensando o que funcionaria melhor.”

Não é exagero dizer que, de fato, sequências inteiras dos três Guardiões da Galáxia parecem construídas a partir de canções. No Vol. 2, por exemplo, “The Chain”, do Fleetwood Mac, embala um momento de conflito entre os heróis, para depois voltar na batalha final de Quill e os Guardiões contra Ego (Kurt Russell). A letra diz:

“E se você não me amar agora, nunca me amará novamente
Ainda consigo ouvir você dizer que nunca quebraria nosso elo”

O Vol. 2, aliás, pode ser talvez o que melhor faça uso das canções, como “Father and Son”, do cantor e compositor Cat Stevens, cuja letra não poderia ser mais apropriada para busca constante de Quill por um pai, que estava ao seu lado o tempo todo:

“Encontre uma garota, se acomode no seu canto
Se você quiser, pode até se casar
Olhe para mim, eu estou velho, mas estou feliz
Eu já fui como você, e sei que não é fácil
Ficar calmo quando se encontra algo valioso”

Além de evocar uma nostalgia deliciosa por um tempo que já passou, a trilha parece ser também uma zona de conforto para Peter Quill. Uma última memória feliz de um lugar de onde ele passa a vida fugindo. E o que são as músicas para nós, humanos comuns, se não pequenas cápsulas de viagem no tempo?

Mesmo que (se nada der errado) a gente provavelmente nunca tenha que enfrentar monstros alienígenas ou partir em viagens intergalácticas ao lado de um guaxinim falante, quem nunca foi transportado de volta a um lugar, um tempo ou um sentimento aos primeiros acordes de uma canção querida?

Claro que a trilha sonora da trilogia Guardiões da Galáxia também cumpriu seu propósito mais básico, de estabelecer ritmo e marcar sequências que ficaram marcadas para sempre na história da Marvel nos cinemas. Como ouvir, por exemplo, “Come and Get Your Love”, do Redbone, e não lembrar de Quill dançando pelas ruínas de Morag, no início do primeiro filme? Ou “Come a Little Bit Closer”, de Jay & The Americans, embalando a empolgante sequência de Yondu e Rocky (Bradley Cooper) detonando uma nave saqueadora com uma flecha voadora? E claro, “Hooked on a Feeling”, do Blue Swede, tema do primeiro trailer, que vendeu o estranho grupo de heróis espaciais ao mundo.

A brincadeira chegou ao ápice com os próprios Guardiões ganhando uma música própria, o pastiche de temas disco dos anos 1970 “Guardians Inferno”. A música teve direito até a um impagável clipe, com todo o elenco e o próprio James Gunn dançando ao som da voz angelical do galã David Hasselhoff (A Super Máquina, Baywatch).

Aqui na Terra, o público comprou (e como) a seleção musical dos Guardiões. A trilha sonora do primeiro filme, Awesome Mix Vol. 1, é o terceiro disco de vinil mais vendido da década de 2010. Mesmo 5 anos após o lançamento do filme, a trilha sonora de Guardiões da Galáxia Vol. 2 foi o cassete mais vendido de 2022, segundo dados da Billboard, à frente de medalhões do pop como Taylor Swift, Harry Styles e Billie Eilish.

O sucesso musical dos Guardiões talvez possa ser explicado pela música ser justamente uma das mais fáceis de se consumir e sentir. Não é preciso mais do que um bom par de orelhas para absorver uma melodia contagiante. O que fica ainda melhor com uma trilogia de aventuras para dar todo um novo significado às canções, mesmo décadas após os lançamentos originais. Que venham, então, novas aventuras, pois nossos ouvidos estarão sempre sedentos.

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