Como Darth Vader evoluiu de um papel pequeno ao coração da franquia Star Wars

Poucos vilões tiveram tanto impacto na história do cinema quanto Darth Vader, o grande antagonista da saga Star Wars. Com menos de dez minutos de tela em sua primeira aparição no lendário Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), o personagem se tornou marcante ao ponto de virar o grande símbolo da franquia. Um feito e tanto para alguém que, originalmente, teria uma participação pequena na aventura.

Na década de 1970, o cineasta George Lucas decidiu criar uma aventura fantástica que trouxesse de volta o lado mais romântico da ficção científica. Bebendo diretamente da obra de mestres como Alex Raymond (Flash Gordon), Edgar Rice Burroughs (John Carter) e até de J.R.R. Tolkien (O Senhor dos Anéis), ele tinha como motivação fazer um contraponto à visão crua e cínica que vinha tomando conta do gênero desde a chegada de avanços tecnológicos destrutivos e assustadores, como a bomba atômica.

A resposta foi a criação de uma galáxia distante cuja mitologia mistura space opera, faroestes, samurai, HQs e até a história da humanidade. Os primeiros rascunhos dessa história já tinham o vilão Darth Vader, mas de uma maneira completamente diferente e muito menor.

O Darth Vader original

As primeiras versões da história de Star Wars tinham Vader de duas formas diferentes. A primeira é literal, já que existia um personagem com esse nome. Ele era um simples general que servia a um personagem chamado Príncipe Valorum, membro da tropa Sith, que nessa etapa era uma espécie de polícia especial do maligno Império.

Porém, o Lorde Vader como conhecemos também aparecia de forma figurativa, dividido em diferentes personagens da aventura. Além do próprio Valorum – um guerreiro grande e sinistro que usava um robe preto e máscara –, havia Kane Starkiller, um mestre Jedi com partes robóticas que seria o pai do protagonista da história.

Conforme Lucas foi refinando o roteiro, todos esses personagens foram incorporados em Darth Vader, vilão que ganhou vida na mão do habilidoso time de design da franquia.

Das páginas à tela: criando Darth Vader

Para ajudar na venda do roteiro de Star Wars para os estúdios, George Lucas contratou Ralph McQuarrie para desenhar cinco momentos-chave da história. A partir da descrição de Vader como um “homem alto vestindo um robe preto”, o artista desenvolveu um visual elegante e ameaçador, com capa e uma máscara que seria utilizada pelo vilão nas viagens pelo espaço.

Inexistente na descrição do roteiro, a máscara foi criada por McQuarrie com inspiração em capacetes utilizados por samurais no Japão feudal. Além de deixar o vilão ainda mais ameaçador, o adereço combinou com a história, que foi criada com forte influência de filmes de samurai. Foi assim que surgiram as famosas artes conceituais do primeiro filme, com destaque para a que Darth Vader luta contra o herói Deak Starkiller – personagem que viria a se tornar Luke Skywalker:

Darth Vader enfrenta Deak Starkiller em arte de Ralph McQuarrie

A partir das artes de McQuarrie, o designer de figurino John Mollo misturou robes usados por monges e padres com uniformes nazistas, máscaras de gás e macacões de ciclismo para criar o traje que se tornou um dos símbolos da saga Star Wars. Para complementar o visual e torná-lo ainda mais assustador, o designer de som Ben Burtt usou equipamentos de mergulho e tubos para criar a icônica respiração mecânica do personagem. E assim nasceu Darth Vader.

Um vilão, vários intérpretes

Até aqui você já deve ter percebido que tudo em Star Wars é resultado de misturas, e na hora de interpretar Darth Vader não foi diferente. O que vemos em tela é o resultado da combinação de alguns atores, que deram diferentes contribuições para o personagem ao longo da trilogia original.

Nos episódios IV, V e VI, quem deu vida ao corpo do Lorde Sith foi David Prowse, um gigantesco e musculoso ator que havia chamado atenção no clássico A Laranja Mecânica (1971). Por maior que ele fosse, sua voz não foi considerada ameaçadora o suficiente para Vader, o que levou a produção a contratar James Earl Jones – o Mufasa no áudio original de O Rei Leão (1994) – para dublar o personagem e conferir a aura de seriedade necessária.

Além da dupla, vale lembrar que outros dois atores tiveram a honra de interpretar Darth Vader nas sequências. É o caso de Bob Anderson, um esgrimista que gravou as cenas de luta com Sabre de Luz no Episódio V, e Sebastian Lewis Shaw, que foi o rosto do personagem quando ele finalmente retira a máscara em O Retorno de Jedi (1983).

David Prowse, James Earl Jones, Bob Anderson e Sebastian Lewis Shaw, os atores que interpretaram Darth Vader nos cinemas

O legado instantâneo de Darth Vader

O impacto de Star Wars na cultura pop foi grande e imediato, e foi diferente com Darth Vader. Mesmo aparecendo por menos de 10 minutos no primeiro filme, ele se tornou uma figura tão emblemática que passou a figurar em várias listas como o maior vilão da história do cinema.

Isso se deve à soma do marcante trabalho da equipe de design, dos atores, da lendária música-tema criada por John Williams e, principalmente, pela forma como isso tudo foi reunido em uma figura tão maligna, poderosa e misteriosa. Sua primeira aparição é impressionante e assustadora, conduzida de forma brilhante pela direção de George Lucas e pelo time de montagem:

No entanto, apenas uma bela entrada não basta, e Lucas sabia disso. Preocupado em demonstrar o poder de Vader, o cineasta mudou os rumos da história durante as gravações e definiu que, para consolidar o Sith como um inimigo à altura, ele precisava cometer um ato perverso. Ou, como o próprio cineasta revelou em entrevista à Rolling Stone:

“Quanto mais pensava a respeito da morte de Obi-Wan, mais gostava da ideia porque fazia com que a ameaça de Darth Vader fosse maior e isso casava com A Força e com o fato de que ele era capaz de usar o lado sombrio.”

Com seu curto tempo em tela, Vader derrota um rival à altura, se mostra um exímio piloto espacial e ainda é capaz de colocar medo até mesmo em seus aliados ao usar a Força para enforcar um agente do Império.

Essa imagem imponente se fixou na mente de gerações de fãs, ao ponto de fazer um ator veterano como Ewan McGregor se assustar ao dar de cara com o Lorde Sith nas gravações da série Obi-Wan Kenobi mais de 40 anos após a estreia do primeiro Star Wars:

“Quando viemos gravar a cena e eles gritaram ‘ação’, ele chegava por trás de mim. Me virei e a p**** do Darth Vader estava vindo em minha direção. Foi como se eu tivesse seis anos novamente. Nunca atuei com Vader de capacete, nunca o olhei nos olhos. Me assustou para c******. Não estou brincando, me deu uma verdadeira sacudida de medo absoluto”, relembrou à Total Film.

Darth Vader vs Anakin Skywalker

Após fazer história no primeiro filme de Star Wars, Darth Vader evoluiu em um dos improvisos mais geniais da história do cinema. Hoje é mais do que conhecida a reviravolta de como o grande vilão da saga é, na verdade, pai do herói. Acontece que esse nem de longe era o plano original para o personagem.

Nas ideias iniciais de George Lucas, Darth Vader era o assassino de Anakin Skywalker conforme Obi-Wan revela ao jovem Luke no Episódio IV. Porém, durante a escrita do roteiro do Episódio V: O Império Contra-Ataca (1980), Lucas achou mais interessante adicionar a reviravolta da ligação de sangue entre protagonista e antagonista.

Ainda que o cineasta tenha tentado vender a ideia de que isso sempre esteve nos planos – ao ponto de inventar a lenda de que Darth Vader era, na verdade, uma versão distorcida de “Dark Father” (Pai Sombrio) –, entrevistas antigas o desmentem. É o caso dessa fala retirada de uma conversa com a Rolling Stone pouco após a estreia do primeiro filme:

“Darth Vader mata o pai de Luke, então Obi-Wan e Darth têm uma briga, do mesmo jeito que acontece em Guerra nas Estrelas. Obi-Wan quase mata Darth Vader, que cai dentro da boca de um vulcão, é fritado e fica deformado – é por isso que precisa usar uma roupa especial com a máscara que é para respirar.”

Ainda assim, a dualidade entre Anakin Skywalker, o escolhido pela Força, e Darth Vader, o grande Lorde Sith, voltou a ser explorada na franquia. 20 anos após a estreia do primeiro filme, George Lucas surgiu com a ideia de explorar como o Cavaleiro Jedi foi corrompido pelo Lado Sombrio e se tornou o grande vilão da galáxia. Esse foi o tema central da trilogia prelúdio dos Episódios I, II e III, apelidada carinhosamente por seu criador como “a tragédia de Darth Vader”.

Hayden Christensen como Anakin Skywalker e Darth Vader

Ao longo de três filmes, o público vê o jovem Anakin Skywalker ser descoberto pela Ordem Jedi, desenvolver seus dons, cair nas garras do Lado Sombrio até se corromper e, finalmente, ser derrotado pelo antigo mestre e se tornar o lendário vilão mostrado lá nos anos 1970.

Mesmo sem o prestígio e a aclamação da trilogia original, os prelúdios promoveram um longo estudo de personagem interessado em revelar detalhes que os primeiros filmes nunca tiveram tempo ou interesse de investigar. Mais do que isso, ainda abriu as portas para que o tema fosse aprofundado em diferentes derivados em livros, HQs e, especialmente, nas séries animadas.

No fim, Darth Vader se tornou tão central para a narrativa imaginada por George Lucas, que o cineasta não imaginava uma nova trilogia situada após o Episódio VI. Para ele, é como se não houvesse o que contar. Como se não existisse Star Wars sem Darth Vader.

É claro que esse universo é grande e rico demais para que essa fala pareça um tanto quanto exagerada – produções como The Mandalorian comprovam que há sim histórias a contar longe do Lord Sith. Porém, o personagem se tornou tão icônico e grandioso que é impossível separá-lo do sucesso da saga. Um ser assustador, implacável e misterioso, que evoluiu de uma pequena participação ao maior vilão da história dos cinemas.

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