Como Dungeons & Dragons captura a essência do RPG de mesa

Mesmo que você nunca tenha jogado Dungeons & Dragons, Honra Entre Rebeldes é um filme fantástico e acessível, capaz de capturar o espírito do jogo.

Sou Dungeon Master (mestre, narrador, como preferir) desde 2002 e fiquei surpreso com a forma como o filme conseguiu transmitir a diversão, essência e até mesmo as regras e diferenças de jogadores de uma forma que não imaginava ser possível no cinema – pelo menos não sem quebrar a quarta parede.

Diversão em primeiro lugar

Imagem do filme de Dungeons & Dragons
Aventura dá o tom do filme de Dungeons & Dragons (Paramount/Divulgação)

Embora não seja tão épico como O Senhor dos Anéis nem tão brutal como Game of Thrones, Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes é uma aventura leve e divertida, exatamente como a maioria dos jogos costuma ser. Por isso, cada elemento do filme se encaixaria perfeitamente em uma mesa de RPG com amigos, mostrando a imaginação e a criatividade que fazem parte do jogo.

E, é claro, há muitas piadas internas e easter eggs para empolgar os jogadores hardcore, mas é também um filme rico em situações imaginativas e personagens bem construídos, locações famosas, como Baldur’s Gate e Icewind Dale. Ou seja, é fiel não só pelas belas ambientações e uso de criaturas famosas, mas também pela forma como utiliza elementos que todo jogador já viveu numa mesa, como improviso, formas diferentes de encarar regras e, claro, decisões inesperadas que interferem na narrativa.

Realmente gostei de como a trama se passa no mundo de Forgotten Realms, um cenário clássico de Dungeons & Dragons, sem precisar adaptar uma história famosa do universo de D&D. É impressionante como o longa consegue capturar a sensação de participar de uma mesa de RPG sem precisar quebrar a quarta parede ou mostrar pessoas jogando.

Ainda mais porque a produção consegue transmitir a sensação de criação colaborativa, que é típica de uma sessão de RPG. O foco narrativo é dividido entre os personagens do grupo, cada um com seu momento para brilhar, e, como em qualquer mesa, as decisões tomadas pelos jogadores nem sempre são as melhores, criando situações inesperadas, como a fuga da prisão logo no início do filme. Nesses momentos, para que a história flua e todos se divirtam, é necessário que as regras, e até mesmo a lógica, sejam abstraídas e o mesmo acontece na produção cinematográfica, não como um erro, mas como referência.

Em termos de trama, mas sem querer entrar em detalhes, quem já jogou no cenário Forgotten Realms vai realmente se sentir em locais clássicos como Neverwinter, entender o monumental perigo dos Magos Vermelhos e tremer só de pensar em ir até o temido mundo subterrâneo conhecido como Underdark. O longa é fiel até em detalhes como personagens com os nomes mais estranhos, como qualquer mestre que já teve que improvisar na hora de nomear NPCs (personagens do mestre), até feitiços que apenas os jogadores mais profissionais descobrem em livros obscuros.

Personagens de diferentes jogadores

Imagem do filme de Dungeons & Dragons
Cada personagem do filme representa um jogador do RPG – e faz isso muito bem (Paramount/Divulgação)

O elenco de personagens é variado e representa diferentes tipos de jogadores de RPG que poderíamos ver em uma mesa qualquer por aí. Os próprios diretores, John Francis Daley e Jonathan Goldstein, admitiram que tentaram incorporar elementos do jogo Dungeons &
Dragons na estrutura de personagens e história.

E podemos ver isso em Xenk, interpretado por Regé-Jean Page, por exemplo, que poderia ser o jogador nerd focado em ser o melhor da mesa. Enquanto Edgin, personagem de Chris Pine, é o jogador divertido que quer fazer todo mundo rir e não se preocupa tanto com as regras. Sem falar em Holga, a Bárbara (Michelle Rodriguez), conhecida por sua força, mas que tem instantes de genialidade fora do comum, reproduzindo momentos em que o jogador decide sair do personagem para resolver uma situação.

Por esses detalhes, vemos o quão bem construídos são esses heróis – e os vilões. Além de funcionarem bem em tela, os antagonistas mostram como o Dungeon Master pode usar suas histórias e motivações para convenientemente evoluir a trama ou confundir os jogadores.

Mas o filme vai além disso, afinal, quem joga sabe que uma das graças é a liberdade para cada grupo de aventureiros ser como bem entenderem, o que faz com que muitas histórias fiquem com um tom anárquico. Impressionantemente, o filme captura isso com maestria, incluindo elementos caóticos nas decisões de personagens, exatamente como aconteceria numa sessão de RPG.

Exatamente por isso, o elenco está claramente se divertindo ao interpretar esses personagens clássicos, que qualquer pessoa poderia selecionar no início de uma campanha de D&D.

O mestre também é referenciado no filme

Imagem do filme de Dungeons & Dragons
Mestres de D&D foram lembrados (e zoados também) no filme (Paramount/Divulgação)

A forma como a missão mostrada no filme evolui também lembra muito encadeamentos de aventuras de RPG, principalmente conforme todos vão construindo juntos a narrativa e modificando elementos do mundo.

Essa narrativa do longa, que é simples, se apoia nos personagens carismáticos e no mundo gigantesco de Forgotten Realms para brilhar. Enquanto magos vermelhos corrompem inocentes, os heróis exploram terras distantes com nomes estranhos e usam magias clássicas, também somos atraídos para a natureza espetacular dos lagos de lava e masmorras em ruínas. A construção do mundo é constante ao longo do filme, mas nunca de maneira exagerada. Isso tudo é papel de um bom mestre de RPG.

Curiosamente, o filme ainda tira sarro dos mestres que se esforçam para complicar um pouco a trama com quebra-cabeças, apenas para ver o grupo destruir tudo em segundos. Mais genial ainda, é o filme ser capaz de capturar a arte do improviso, aquele momento em que o mestre muda tudo que fez, deixando as coisas até meio bobas, para dar andamento na história.

Quem joga, também vai amar

Imagem do filme de Dungeons & Dragons
Olha essa referência! (Paramount/Reprodução)

Posso dizer com tranquilidade: Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes captura com excelência o espírito do que é RPG, especialmente o D&D. De forma lúdica, o longa transporta para a tela tudo que uma boa sessão de RPG tem, por isso é um filme incrível tanto para quem joga, quanto para quem nunca ouviu falar da franquia.

O longa segue em cartaz nos cinemas brasileiros. Aproveite e confira abaixo nossa entrevista com os diretores:

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