Existem fenômenos capazes de parar a cultura pop, e o lançamento de um novo filme do Batman é um deles. Chamado apenas de “Batman”, a nova versão do Homem-Morcego é resultado de uma verdadeira saga nos bastidores que começou com o fracasso de um universo. Aproveitando que o lançamento se aproxima, esse é o melhor momento para entender como um projeto de risco se tornou um dos lançamentos mais aguardados dos últimos anos.
Marcado para março de 2022, o lançamento de Batman é o ponto final de uma história que começa em 2015, quando o Universo DC dos cinemas era uma grande promessa. Enquanto finalizava as filmagens de Batman vs Superman (2016) e se preparava para começar a gravar Liga da Justiça, a Warner anunciou um novo filme solo do Cavaleiro das Trevas, que seria protagonizado, dirigido e coescrito por Ben Affleck. Não demorou muito para que esse sonho se tornasse um grande pesadelo com o colapso da franquia.
Após a recepção mista de Batman vs Superman, a Warner passou duvidar da visão do diretor Zack Snyder, que na época trabalhava em Liga. O clima foi se tornando insuportável com as várias interferências da empresa no trabalho do cineasta, que chegou ao limite após a morte da filha. Com a despedida de Snyder, o estúdio trouxe Joss Whedon (Os Vingadores) para “consertar” o longa.
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O resultado foi um desastre que reflete na tela os vários problemas nos bastidores, que até hoje é fonte de escândalos e investigações graças a relatos sobre o comportamento tóxico de Whedon e de alguns produtores. Um dos grandes afetados pela experiência foi o próprio Affleck, que definiu a produção de Liga da Justiça como “ponto mais baixo da carreira”, chegando a levá-lo a uma recaída na luta contra o alcoolismo. Com o acúmulo de desgosto, cansaço e problemas pessoais, o astro decidiu abandonar a direção da nova aventura do Batman, sendo substituído por uma nova aposta.
Batman: O Recomeço
Após considerar vários diretores, a Warner escolheu Matt Reeves para comandar o novo filme do Batman. A contratação do cineasta levou em conta uma vasta experiência em misturar ação e suspense, dois dos principais ingredientes de uma boa história do Homem-Morcego. Alguns dos pontos altos de sua carreira até então eram Cloverfield – Monstro (2008), Deixe-me Entrar (2010), Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) e Planeta dos Macacos: A Guerra (2017).
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Essa chegada marcou a despedida definitiva de Ben Affleck do projeto. No primeiro momento, o Reeves recusou o roteiro que o astro estava escrevendo por não sentir conexão com aquela história. Apesar de considerar a aventura “válida e empolgante”, o diretor não sentia conexão ou paixão por ela:
“Era focado na ação, muito conectado ao DCEU, com grandes personagens de outros filmes e quadrinhos aparecendo. Quando li esse roteiro, eu apenas soube que não era a forma que eu queria fazer. Eu disse: ‘talvez eu não seja a pessoa certa para isso’.”
Pouco tempo após Reeves concluir o roteiro, que não havia conexões com os outros heróis da DC, Ben Affleck anunciou que estava deixando o papel de Bruce Wayne em definitivo. Para a sorte dos fãs, essa afirmação não foi completamente verdadeira, já que ele voltará uma última vez no filme solo do Flash — experiência descrita como “muito boa” e “divertida”, muito diferente de Liga da Justiça.
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O que não se sabia, é que naquela altura Batman havia passado por uma reformulação quase completa. Ao invés de conexões com o DCEU, a nova versão buscava força em um olhar inédito para a figura do Cavaleiro das Trevas. Uma perspectiva que surgiu da curiosa mistura de influências que inclui clássicos do cinema, um serial killer da vida real e até uma estrela do rock.
Batman e um escândalo dos EUA
Com a grande missão de criar a quinta versão do Batman nas telonas (sexta, se contarmos os seriados dos anos 40), Matt Reeves estabeleceu um mandamento: a história tinha que ser diferente do que foi feito antes com o personagem. Com essa mentalidade, ele se juntou aos roteiristas Peter Craig (Atração Perigosa) e Mattson Tomlin (Mãe x Androides) com a missão de mostrar um Batman como nunca se viu.
A primeira grande ruptura veio na escolha do momento em que a história se passa. O novo roteiro precisaria evitar a armadilha de recontar a origem do herói novamente, e também de mostrá-lo experiente e consolidado no combate ao crime. A escolha foi um meio termo, que acompanha os primeiros anos de atividade do Morcegão:
“A ideia é que estamos no Ano Dois do seu experimento em Gotham. É um experimento criminológico, ele está tentando descobrir o que pode fazer para finalmente mudar esse lugar.”
Naturalmente, essa busca pelo novo chegou a Gotham. A cidade sempre foi conhecida por ter uma criminalidade quase infinita, o que justifica que a cruzada do Batman siga viva mais de 80 anos após sua criação. Porém, ao invés de focar seu olhar nos bandidos, o roteiro decidiu investigar suas raízes na corrupção em um retrato inspirado pela realidade.
Entre as grandes influências para Batman, Matt Reeves cita clássicos do cinema policial, como Chinatown (1974), Taxi Driver (1976) e, principalmente, Todos os Homens do Presidente (1974). Esse último é baseado na história real de dois jornalistas que descobriram uma rede de corrupção e espionagem que desembocou no caso Watergate, escândalo que levou Richard Nixon a renunciar à presidência dos EUA.
Trazer um episódio da história norte-americana para o universo do Morcegão foi fundamental para que o diretor encontrasse não apenas a forma certa para retratar Gotham, como ainda deu propósito ao novo Batman dos cinemas. É como disse o diretor ao MovieMaker:
“Essa ideia de um lugar que é corrupto, e você tenta nadar contra a maré para lutar contra isso e fazer a diferença, é a essência do Batman. E ao centro dessas histórias noir quase sempre temos o detetive, certo? E é por isso que ele é o maior detetive do mundo.”
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Vilão inspirado em serial killer
Muito se fala sobre como um filme de super-herói sempre precisa de um grande vilão para ser memorável. O próprio Batman tem dois grandes exemplos nos Coringas de Jack Nicholson e Heath Ledger, apontados por muitos como a razão para que Batman (1989) e Cavaleiro das Trevas (2008) tenham feito tanto sucesso.
O papel de grande antagonista de Batman ficou para o Charada, figura que não dava as caras nos cinemas desde Jim Carrey em Batman Eternamente (1995). Porém, ao invés de um inventor extravagante e espalhafatoso, a nova versão é inspirada em um serial killer do mundo real.
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Com 14 mortes confirmadas, o Assassino do Zodíaco é conhecido por enviar cartas à imprensa escritas em código criptografado. A semelhança com um vilão conhecido por deixar enigmas para o herói não é mera coincidência, e foi aproveitada aqui para dar vazão ao lado detetive do Batman. Especialmente porque a tal conspiração começa a se revelar quando o Charada começa a matar figuras importantes de Gotham:
“E na sequência dos assassinatos, ele [Charada] revela as maneiras pelas quais essas pessoas não eram tudo o que diziam e você começa a perceber que há algum tipo de associação. E assim (…) você tem Gordon e Batman tentando seguir as pistas para tentar entender isso de uma maneira clássica de história de detetive.”
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Apesar de o Charada ser o grande vilão da história, ele não vem sozinho. Algumas figuras da famosa galeria de inimigos do Batman também foram adicionados à trama. Assim como o Batman, o filme promete mostrar as origens de Mulher-Gato, do Pinguim e do mafioso Carmine Falcone:
“De uma maneira esquisita, é a origem de muitos da nossa galeria de vilões. Selina [Kyle] não é a Mulher-Gato ainda, na verdade isso é parte da jornada. Os[wald Cobblepot] não é o chefão do crime que ele se tornará, ele é o Pinguim – na verdade, ele não gosta de ser chamado de Pinguim. E o Charada está aparecendo pela primeira vez, então é tudo incrivelmente empolgante.”, disse Reeves à Esquire.
Smells like Bat spirit
Outra grande mudança proposta por Batman é Bruce Wayne, o homem por baixo da máscara. Ao invés de se passar por um socialite fútil para se afastar da figura do Homem-Morcego, a nova versão será um homem recluso após passar pela trágica perda dos pais. Curiosamente, a grande inspiração para essa caracterização veio de ninguém menos do que Kurt Cobain, líder da banda Nirvana e um dos grandes ícones dos anos 90.
Em entrevista à Empire, o diretor explicou que a influência do grupo começou logo no início da escrita do roteiro. Ao ouvir a canção “Something in the Way” – que depois se tornaria a trilha sonora do primeiro teaser –, o autor teve a ideia de retirar o lado playboy do personagem. Nesse ponto, ele cita também como importante o filme Últimos Dias (2005), um drama que imagina como teriam sido os últimos dias de um músico inspirado em Cobain.
Com um novo Bruce Wayne em mente, a produção começou a procura por seu protagonista. Apesar de uma longa lista de atores interessados no papel, quem roubou a atenção de Matt Reeves foi Robert Pattinson. Ainda que os críticos liguem o ator à saga Crepúsculo, o que impressionou o cineasta foi a participação do ator em Bom Comportamento como um marginal que precisa juntar dinheiro para pagar a fiança do irmão deficiente que acabou na cadeia por sua culpa.
“Naquele filme você podia realmente sentir sua vulnerabilidade e desespero, mas também podia sentir seu poder. Achei uma ótima mistura. Ele também tem essa coisa Kurt Cobain, em que parece uma estrela do rock, mas que também poderia ser um recluso.”
A inspiração em Kurt Cobain e a atuação em Bom Comportamento deram a Robert Pattinson o papel de BatmanA escalação de Pattinson para o papel foi oficializada em maio de 2019, dando início ao anúncio de um dos elencos mais estelares dos últimos anos. O filme anunciou Paul Dano (Família Soprano) como Charada, Zoë Kravitz (X-Men: Primeira Classe) como Mulher-Gato, Colin Farrell (O Lagosta) como Pinguim, Andy Serkis (O Senhor dos Anéis) como o mordomo Alfred e Jeffrey Wright (Westworld) como James Gordon, o futuro comissário de polícia de Gotham.
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Com tudo pronto, Batman começou suas filmagens em janeiro de 2020. O início da produção correu de forma tranquila, mas em questão de meses as gravações foram interrompidas pelo surgimento da pandemia do coronavírus, que chegou a causar a morte de um dos membros da equipe.
#DayOne #TheBatman cc: @GreigfraserD pic.twitter.com/kOgcsa6zX3
— Matt Reeves (@mattreevesLA) January 27, 2020
Aos poucos as filmagens foram retomadas, chegando ao fim em março do ano seguinte. Desde então, a DC e o próprio diretor começaram uma campanha de marketing que teve como grande aliado o DC FanDome, evento online transmitido no mundo todo em 2020 e 2021. As duas edições foram encerradas com trailers de Batman, que tiveram repercussão extremamente positiva entre os fãs.
Um Batman para o futuro
Além da empolgação do público, um indicativo de que o filme promete é a confiança da Warner. O estúdio, que anos atrás interferiu no trabalho de vários diretores, deu carta branca a Matt Reeves e parece tão feliz com o resultado que já encomendou duas séries derivadas mesmo da estreia do longa.
Em julho de 2020 foi anunciada uma série focada em James Gordon e na polícia de Gotham. Já em setembro de 2021, foi revelado que o Pinguim ganhará uma série solo estrelada e produzida por Colin Farrell. As duas serão lançadas exclusivamente na HBO Max, sem data de estreia definida.
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A chegada de duas séries derivadas e a possibilidade de sequências mostram que Batman é um dos carros chefes da DC nos próximos anos, um feito e tanto para um projeto que precisou renascer das cinzas após um início tão conturbado. Para saber se essa nova versão vai trazer o Homem-Morcego de volta ao centro da cultura pop, basta esperar pela estreia do filme, que chega ao Brasil em 3 de março.
Quer se preparar para o novo filme do Homem-Morcego? Batman – Ego e Outras Histórias, uma das obras que deu origem ao longa, está disponível. Se adquirir, o Jovem Nerd pode receber comissão.