O Exorcista do Papa vale pelo padre heroico de Russell Crowe | Crítica

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Filmes de exorcismo talvez seja o subgênero de horror que mais pena para fugir do lugar-comum. Afinal de contas, muitas das obras ainda se vêem na sombra de O Exorcista (1973), replicando sua estrutura, tropos, bordões e até as mesmas discussões, 50 anos depois. As obras que conseguem escapar disso são as que entendem que o clássico já trilhou grande parte dos caminhos possíveis, e que é melhor se concentrar em outros elementos para garantir o entretenimento apesar da mesmice.

O Exorcista do Papa é um desses filmes que não foge dos clichês, mas ainda assim tenta encarar os tropos com um pouco mais de leveza. Baseado nos relatos de Gabriel Amorth, padre italiano que de fato foi exorcista-chefe do Vaticano por 30 anos, o longa deixa as crises de fé na porta, e tenta uma pegada um pouco mais leve, que se prova benéfica.

Na trama ambientada na década de 1980, o padre Amorth – vivido por Russell Crowe (Gladiador) em seu primeiro filme de terror – é uma figura igualmente renomada e polêmica na igreja, tendo acumulado diversos casos de sucesso e fracasso em seus exorcismos. Quando um estranho caso de possessão aflige uma família americana, sua expertise é solicitada por ninguém menos que o demônio que possui o inocente garoto, dando início à uma investigação que acaba esbarrando em alguns podres da igreja.

Russell Crowe é o destaque de O Exorcista do Papa [Créditos: Divulgação]

O longa tem uma premissa cativante, especialmente tendo base histórica, mas decide explorá-la de forma mais segura. Ainda há uma forte aura de tensão, com sólidos momentos de suspense e sustos, porém a produção reconhece que sua força é o talento e o carisma de Russell Crowe, e cede o espaço necessário para que ele brilhe.

O ator surpreende ao retratar Amorth, como um especialista em seu campo, claramente calejado pela experiência. Décadas na função, além de um passado no exército e carreiras paralelas como professor e jornalista, fazem com que o protagonista seja altamente habilidoso no que faz. Essa eficiência toda, por sua vez, se manifesta em um senso de humor sarcástico de um padre constantemente bêbado, que literalmente ri na cara do mal.

É impossível ver Amorth sem lembrar do protagonista de Doctor Who. Assim como o Senhor do Tempo da série britânica, o italiano sabe como liderar os demais e tem reflexos rápidos para contornar qualquer problema, mas frequentemente deixa seu bom humor e egocentrismo colocarem a situação em risco.

Seu passado também é repleto de fantasmas e assombrações que dariam arcos muito interessantes nas telas da BBC. Além disso, o protagonista tem até seu próprio companion na forma do padre Esquibel (Daniel Zovatto), um padre mais iniciante que precisa da mentoria do exorcista. O filme parece entender esse paralelo, e começa a encontrar sua voz apenas quando se afasta da fórmula para buscar ares mais aventurescos.

Com direito até a companion, O Exorcista do Papa mais parece um episódio de Doctor Who – e isso é bom [Créditos: Divulgação]

Como é tradicional no subgênero desde O Exorcista, a entidade usa um garoto possuído para cuspir blasfêmias e perversões enquanto o exorcista-chefe tenta descobrir o nome do cramunhão, já que isso lhe daria poder sobre o monstro infernal. Essa jornada leva a caminhos empolgantes, como toda uma sequência em que os padres exploram uma câmara secreta escondida no subterrâneo de uma abadia abandonada, repleta de segredos obscuros da igreja católica. É uma pena que o caminho até isso seja o tão temido lugar-comum.

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Muito do filme é dedicado a uma história a lá Invocação do Mal, seguindo uma mãe e dois filhos que se mudam para o meio do nada após a morte do pai, na tentativa de começar um novo capítulo em suas vidas. Ainda que o padre heróico e carismático de Russell Crowe segure as pontas, e que o demônio – com voz no idioma original pelo excelente Ralph Ineson, de A Bruxa – arranque alguns risos pelo bizarro, é difícil não ter a sensação de potencial desperdiçado.

Tudo é competente o bastante para não ser uma perda de tempo, e o protagonista realmente compensa muitos dos deslizes, porém muitas das bolas que levanta mereciam mais tempo em jogo antes de serem cortadas tão bruscamente. O longa apresenta vários vislumbres de tramas mais interessantes, relacionadas aos podres da igreja católica e da hierarquia entre os demônios no inferno, e as deixa partir sem grandes desenvolvimentos ou a devida atenção.

Filmes de exorcismo raramente conseguem ousar, e O Exorcista do Papa não é diferente. O longa sugere que poderia fazer algo de diferente com uma aventura digna de um episódio macabro de Doctor Who, mas falta confiança para abraçar de vez esse caminho. Ainda assim, a estreia de Russell Crowe no gênero é menos turbulenta do que parece.

Sua boa performance, e a sólida direção de Julius Avery (Operação Overlord), rendem algo ocasionalmente assustador e minimamente competente. Só é uma pena se contentar com “bom o bastante” quando há material para algo melhor.

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O Exorcista do Papa já está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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