Tudo ao redor de Estranha Forma de Vida é atraente. O média-metragem marca o primeiro faroeste de Pedro Almodóvar. Como se não fosse o suficiente, ainda é estrelado por Pedro Pascal (The Last of Us) e Ethan Hawke (Cavaleiro da Lua, O Telefone Preto), dois dos mais prestigiados atores do momento. O resultado é bom o bastante mas, pela força de seus vários elementos, poderia ser muito melhor.
O média abre no deserto, ao som da música titular de Caetano Veloso, enquanto um cowboy chega em uma pequena cidade. Trata-se de Silva (Pascal), que busca se reencontrar com Jake (Hawke), xerife do local — e um antigo amante. Os dois jantam juntos, são tomados pelas memórias do passado e vivem uma noite de amor. A manhã seguinte, porém, se torna mais delicada quando fica claro que Silva está em busca de mais do que só se reconectar com a paixão do passado.
Com apenas 30 minutos, a trama gira em torno do conflito entre esses dois homens tão diferentes, que encaram o passado de formas quase opostas. O roteiro, assinado por Almodóvar, surpreende ao criar uma situação complexa e um mundo intrigante apesar da duração enxuta, apostando forte no melodrama. Vez ou outra, o texto soa verborrágico demais em diálogos altamente expositivos, mas é justificável. Quando cada minuto é tão valioso, vale a pena ser um pouco mais direto com o espectador para contextualizar eventos importantes na vida desses personagens.
Pedro Pascal e Ethan Hawke são o centro de Estranha Forma de Vida. Tudo gira em torno do enorme talento dos atores, que aqui ganham a oportunidade de demonstrar dor, arrependimento, amor e intimidade no espaço de meia hora. Há química entre os dois, que transparece nos momentos de carícia, nos olhares intensos e nas discussões acaloradas. A sensualidade está presente no média, mas é uma pena que o cineasta não dê os devidos holofotes para o romance visto que o foco é a bateção de boca.
Isso, aliás, se manifesta em toda a obra. Almodóvar parece ter colocado muita ênfase em ter um roteiro digno e ótimas performances, mas quase todo o resto parece feito pela metade. O apreço estético pelo qual o espanhol é conhecido não dá as caras por aqui, abraçando uma linguagem mais básica e funcional. O visual é simplista e ocasionalmente tedioso, salvo pelo excelente ambiente — o mesmo deserto espanhol imortalizado por Sergio Leone na Trilogia dos Dólares — e pelos figurinos chamativos, assinados pela Saint Laurent.
Ainda que Estranha Forma de Vida seja um projeto antigo de Almodóvar, citado até em Dor e Glória (2019), o média parece um esforço desleixado de um cineasta que é comprovadamente capaz de criar algo melhor. O patrocínio da grife francesa, que também “assina” a produção, até entrega ternos de encher os olhos, mas não tira a sensação de que tudo não passa de um comercial um pouco mais elaborado.
Há muito o que se apreciar no média-metragem, como a trama sucinta e impactante, as ótimas atuações, a música e os cenários, e é legal ver um projeto mais experimental assim chegando às telonas brasileiras, especialmente acompanhado de uma entrevista com o diretor. Obras do tipo merecem espaço nas salas de cinema, para ajudar a construir repertório que vai além do longa-metragem super polido, mas não espere que Estranha Forma de Vida seja uma boa introdução ao cinema de Almodóvar e nem uma adição significativa à sua filmografia. O diretor pode e já fez muito mais do que isso.
Estranha Forma de Vida já está em cartaz nos cinemas. Mais tarde, em outubro, o média-metragem será lançado no catálogo da Mubi.