Meus primeiros passos em Hisui foram incertos, mas cheios de empolgação. Estava ansioso pelo que viria, tinha ideia do que Pokémon Legends: Arceus prometia, mas ainda não sabia o que esperar. O spin-off é o primeiro do que parece ser uma nova série e a maior mudança que um jogo da franquia Pokémon vê em muito tempo.
Depois de testar águas ao cair do céu com meu personagem, o jogo foi aos poucos crescendo em mim. Minhas preocupações foram sendo deixadas em segundo plano, porque tudo o que eu fazia — velho ou novo — me abraçava de um jeito que só Pokémon abraçou quando ainda era tudo fresco. Quando escolher o inicial e capturar os monstrinhos não era parte de um ciclo de repetições que eu ainda gostava, mas me interessavam cada vez menos.
Desde seu anúncio, em 26 de fevereiro do ano passado, foram muitas expectativas e poucas certezas. O jogo chamou atenção porque a Game Freak disse com todas as letras que Pokémon Legends: Arceus faria mudanças consideráveis na estrutura tradicional dos RPGs da franquia, mas não deixou claro que mudanças seriam essas. Foi só com o jogo em mãos que eu percebi que elas tinham um pouco de familiar da melhor forma possível, mas que não eram as principais qualidades de um jogo cheio de problemas.
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Veja bem, Pokémon Legends: Arceus é a maior evolução que um RPG da franquia tem desde a segunda geração. Foi em Gold e Silver que tivemos introduzido o sistema de dia e noite, itens segurados pelos Pokémon, a oficialização dos shiny no Gyarados vermelho e algumas outras novidades que permaneceram na série durante as gerações seguintes. Depois disso tivemos adições pontuais como as mega-evoluções, os concursos, as formas regionais e outras novidades que nem de longe representaram mudanças estruturais tão profundas quanto as vistas na segunda geração.
Talvez se aproveitando da sua condição de spin-off, Pokémon Legends: Arceus se propõe a mexer até naquilo que permaneceu intocado por 25 anos. O jogo faz vários acenos para outras iterações, seja em mecânicas, seja em surpresas, e se destaca justamente por abraçar o que de melhor foi introduzido e experimentado dentro e fora da série dita principal. Ele entende que a simplicidade de jogar uma pokébola e capturar o monstrinho pode viciar como Pokémon GO já provou, mas sem abrir mão da batalha clássica contra as criaturas selvagens.
Na verdade, ele mescla os dois de forma bastante satisfatória e torna explorar para capturar Pokémon uma atividade viciante de novo. Você repete a mesma tarefa por horas sem perceber, porque sente prazer em passear pelas áreas selvagens explorando atrás de novos bichinhos. Tudo isso com carisma e muita alma, qualidades que acabam sim sendo um pouco ofuscadas pelos defeitos do jogo.
O Donphan na sala
É preciso tirar isso da frente: o jogo parece inacabado. As inspirações em The Legend of Zelda: Breath of the Wild e Monster Hunter são visíveis, mas passam longe de serem executadas com competência. Há o embrião de uma ideia do que a Game Freak desejava para a exploração do jogo.
Pokémon Legends: Arceus quer muito ser tão sistemático quanto o Zelda do Switch, mas parece que faltou tempo ou habilidade técnica para conseguirem. O mais próximo disso que alcançam está nas animações dos Pokémon — que evoluíram consideravelmente quando comparadas às de Sword e Shield, é preciso dizer. Mr. Mime é um exemplo do que alcançaram e do quanto esse jogo teria potencial para ser melhor com um trabalho mais cuidadoso no desenvolvimento.
O título tem lampejos pulsantes de personalidade aqui e ali, a maioria dos ataques dos monstrinhos são muito bonitos, apesar de tudo, e a história que ele desenvolve é mais interessante do que a maior parte das narrativas que já vimos na série, apesar de ser muito corrida no final. Só que os erros técnicos, texturas inacabadas, cenários e personagens feios, modelos pulando do nada na sua frente, tudo trabalha junto para atrapalhar o carisma que o jogo apresenta com sobras.
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Então é inevitável não se questionar sobre o que vem sendo feito de Pokémon nos videogames. Para onde escoa todo o dinheiro das milhões de cópias vendidas mesmo nas sequências mais fracas, qual o controle de qualidade que a The Pokémon Company e a própria Game Freak (que recentemente não só mudou seu escritório para ficar mais perto da Nintendo, como aumentou o número de funcionários) mantém, de que forma eles olham para o jogo entregue e o entendem como terminado. E, mais importante, de que forma isso vai se refletir na nona geração de Pokémon? O que podemos esperar?
Um novo mundo de aventuras
Nas partes boas, Pokémon Legends: Arceus é muito bem equilibrado. Ele acrescentou camadas de complexidade em algumas partes e removeu em outras. O sistema de combate ficou mais complexo com os Agile e Strong Styles, assim como a exploração ficou mais interessante e abrangente removendo inteiramente os encontros aleatórios.
Agora o jogador pode tomar a decisão sobre tentar capturar o Pokémon na hora que o encontra, enfraquecê-lo com com um combate ou fugir porque a batalha não será vantajosa. E acredite quando eu falo: você vai rapidamente perceber quando as batalhas são vantajosas ou não, eu nunca antes perdi tantas lutas em jogos da série. A dinâmica dos combates é nova a ponto de oferecer novos desafios.
Ao mesmo tempo, ele apresenta elementos online assíncronos que bebe de outros jogos com foco em exploração, com as bolsas de itens dos outros jogadores derrotados em batalha espalhadas pelos mapas, mas remove as batalhas multiplayer — além de diminuir a quantidade de combates contra outros treinadores — e até desencoraja a característica troca de Pokémon, chegando a acrescentar um item que evolui as criaturas que até então só o faziam quando trocadas com outros jogadores.
Mas a mudança mais interessante e que mais pode reverberar no futuro da série é a reestruturação do metajogo. Vão-se os IVs e mudam os EVs, que agora dão muito mais controle sobre a evolução do poder de cada Pokémon na mão do seu treinador. Isso, se transportado para a nona geração, pode causar uma mudança drástica no cenário competitivo e promete ser uma das novidades mais interessantes e incertas para o futuro da franquia.
Digo isso pois não consigo mais enxergar nenhum jogo futuro de Pokémon onde eu não tenha liberdade para circular por espaços abertos assistindo os monstrinhos vivendo suas vidas e tendo mais agência na exploração e captura, inclusive não dependendo de ter ou usar meus Pokémon nelas.
O futuro desconhecido
Pokémon Legends: Arceus é um jogo cheio de problemas técnicos que te fazem questionar em quais condições ele foi desenvolvido, mas não é preciso passar muitas horas nele para perceber que é também cheio de coração. Há muito carinho envolvido na forma como a exploração é prazerosa e em como os monstrinhos são tratados.
Por mais que os cenários sejam feios e vazios, os personagens sejam genéricos, todo o esforço que havia no desenvolvimento desse jogo foi dedicado aos Pokémon, que são os protagonistas de fato e, também por isso, mereciam um entorno à altura deles.
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Mas é inevitável não sentir vontade de explodir de fofura quando vê um Eevee saltitando em um planalto ou se assustar pela presença colossal de um Gyarados Alfa sedento por violência. O jogo ferve em potencial não cumprido e isso de alguma forma é fascinante, é quase como observar o fóssil intermediário entre dois animais sem saber disso.
Pokémon Legends: Arceus pode ser o intermediário entre dois momentos completamente diferentes na história dos RPGs de Pokémon, mas só saberemos disso ao certo no futuro. Até lá, ele ainda cumpre o objetivo de encantar que tanto esteve em falta nos jogos mais recentes da série.
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