Road 96 é um jogo indie de aventura com foco em narrativa, que poderia facilmente ser descrito como uma “road trip” dos videogames, uma vez que apresenta histórias contadas durante viagens na estrada, com um toque de contracultura. Mas, na verdade, está longe de ser tão simples assim.
Desenvolvido pelo estúdio francês DigixArt, que é liderado por Yoan Fanise, de Valiant Hearts, o game é baseado em um sistema de escolhas, em que as decisões do jogador moldam o rumo da trama. Só que há um diferencial, que distancia Road 96 de outros títulos do gênero. A ordem dos capítulos é gerada de forma aleatória, o que faz com que cada jornada se desenrole de um jeito diferente e seja única.
É um sistema simples que, por ser bem construído, gera uma sensação forte de liberdade, intensificada pela jogabilidade, mostrando que não apenas diálogos, mas até ações (e a falta delas) têm consequências no jogo. A ideia funciona bem na prática na maior parte da aventura, mas não sem algumas pedras na estrada.
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Road 96 se passa em um país fictício governado por um presidente autoritário, que impôs leis rigorosas e construiu um muro para impedir que a população migre para outros lugares. Este cenário gerou a revolta dos jovens, que agora tentam fugir para países vizinhos, mas precisam viajar de carro, carona, táxi ou ônibus até a fronteira para tentar a sorte – que nem sempre será favorável. Desta maneira, temas afiados e contemporâneos são abordados, envolvendo família, corrupção, mídia, autoritarismo, censura, imigração e, principalmente, política.
Com esse pano de fundo, a trama acompanha de forma paralela a história de sete personagens que, apesar de serem totalmente diferentes, estão interligados de alguma maneira.
Alguns deles são uma dupla de bandidos, uma policial, o líder do grupo rebelde que se opõe ao governo, uma jornalista sensacionalista e até um taxista psicopata (que, acredite, vai causar alguns pesadelos em você…). O tom dos capítulos é variado, com alguns sendo mais cômicos e leves, e outros mais sérios e aterrorizantes.
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A narrativa é uma “teia de aranha” que precisa ser explorada pelo jogador que, por sua vez, fica responsável por controlar oito jovens fugitivos, tentando levá-los com vida até a fronteira. É aí que a dinâmica do jogo fica interessante.
Há muitos diálogos com escolhas a serem tomadas, mas a exploração também é um elemento importante que interfere no desenrolar da trama. A jogabilidade é simples e se assemelha ao gênero “walking simulator”, então é possível apenas se movimentar e interagir com opções e itens específicos. E ser curioso para encontrar um documento, uma chave ou um NPC pode levar a rotas alternativas, gerando acontecimentos diferentes.
Analisar e gerenciar o que pode ser feito em seguida é uma tarefa desafiadora, uma vez que as consequências de decisões podem ser duras, como perder todo o dinheiro, ser preso ou até mesmo morrer. Então, se você não tomar cuidado com as escolhas, é possível nem mesmo chegar à fronteira com os jovens.
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Com a aleatoriedade da ordem dos capítulos e influência das decisões do jogador, a trama estabelece um tom de imprevisibilidade. Essa sensação se sustenta na maior parte do jogo, mas é prejudicada nos momentos finais da história.
Ao invés de aproveitar a estrutura complexa da jornada e apresentar múltiplos finais com acontecimentos significativos, o jogo conta com apenas três opções de fim, que são desbloqueadas por poucas escolhas genéricas dos diálogos (simbolizadas por ícones, quando aparecem). Fica a impressão que o fechamento não faz jus à experiência até então.
Além disso, o desfecho de vários arcos individuais dos personagens principais não escapa do mesmo problema. Alguns deles cometem atos completamente sem sentido, que não condizem com a construção deles até aquele momento.
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Já a estética de Road 96 tem um aspecto tão alternativo quanto a própria premissa do jogo, misturando um estilo cartunesco e traços que lembram HQs, gerando um efeito diferenciado durante o gameplay. No entanto, há alguns deslizes no visual, que fazem até algumas cenas parecerem inacabadas, principalmente em cutscenes. Por exemplo, cheguei até a ficar com dúvidas se um personagem realmente tinha morrido, pois o momento foi tão rápido e sem elementos visuais que não ficou claro o que havia acontecido.
O jogo conta com localização em português brasileiro, mas apenas para o texto, sem dublagem. No entanto, a tradução está com uma qualidade elevada, contando com uma boa adaptação de termos e mantendo a pegada séria da narrativa. Algo importante, principalmente por se tratar de um game que depende completamente da história.
Uma jornada em uma estrada única
No fim, Road 96 é aquele tipo de jogo que usa ideias e mecânicas simples de forma inteligente, gerando uma experiência com várias camadas de complexidade – e dando um novo ar àquela frase que já estamos cansados de ver no canto da tela: “essa escolha terá consequências no futuro”.
A ideia de gerar a história aleatoriamente é excelente, e a execução acompanha isso por boa parte parte. Mas, infelizmente, não por completo. Isso acaba fazendo com que o ponto forte do game seja a jornada, que conta com desfechos mornos.
Seja como for, Road 96 é uma experiência única em sua própria maneira, destinado a jogadores que não abrem mão de games mais narrativos, mas sem deixar de apresentar um tom desafiador no gameplay. A melhor parte, ainda, é que o título está chegando para mais plataformas, fazendo a “road trip” mirabolante alcançar mais pessoas por aí!
Este review foi feito com uma cópia cedida pela Koch Media.
Road 96 está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox X|S, Nintendo Switch e PC.