Zumbis, aliança com o governo e mais: o insano primeiro live-action do Batman

Você já se perguntou qual foi a aparição mais antiga do Batman nos cinemas? Muito antes de Michael Keaton e Adam West, quem deu o pontapé inicial em uma história de quase oito décadas do herói da DC nas telonas foi o norte-americano Lewis Wilson, ainda nos anos 1940.

O ator estrelou Batman, série em 15 capítulos exibida nas telonas menos de cinco anos depois da primeira aparição do Homem-Morcego nos gibis.

Um filme com episódios semanais

A primeira aparição em live-action do Batman aconteceu nos chamados serials, produções em formato seriado exibidas semanalmente nas salas de cinema. O método é igual às séries de TV de hoje, mas para um público que só teria acesso à televisão nos anos 1950 e 1960.

Enquanto o cinema era uma diversão relativamente barata, muitos jovens acompanhavam novas aventuras de O Fantasma, Tarzan e outros personagens. Até mesmo animações como Pica-Pau e Tom & Jerry chegavam às telonas. Um dos exemplos mais famosos é o aventureiro Flash Gordon, citado por George Lucas como uma das maiores inspirações para a franquia Star Wars. O cineasta, em parceria com Steven Spielberg, também homenageou o gênero com o personagem Indiana Jones, já nos anos 1980.

O Batman deste contexto guarda alguns momentos importantes da história do Homem-Morcego na cultura pop, mesmo com alguns conceitos problemáticos e detalhes de produção que, aos olhos de hoje, parecem extremamente datados.

Cartaz de exibição do primeiro capítulo de Batman (1943)

A popularização dos serials aconteceu paralelamente ao surgimento do próprio Batman. O Homem-Morcego foi apresentado na edição 27 da revista Detective Comics, em maio de 1939, e ganhou o primeiro gibi próprio em 1940. Os primeiros anos das HQs já apresentavam o parceiro Robin (em Detective Comics #28), o vilão Coringa e a Mulher-Gato (ambos na Batman #1).

O sucesso chamou a atenção da distribuidora Columbia Pictures, que produzia os serials do Fantasma. O jovem Lewis Wilson, de apenas 23 anos, foi escolhido para vestir o uniforme do Cavaleiro das Trevas.

Em sua primeira aventura nas telonas, Batman (Wilson) e Robin (Douglas Croft) precisam impedir o ataque de uma gangue de sabotadores japoneses a Gotham City. Seu líder, o vilão Dr. Daka, planeja atacar a metrópole com uma arma radioativa capaz de desintegrar qualquer coisa. Para tanto, o plano diabólico envolve roubar o abastecimento de rádio (o elemento químico) da cidade.

Se a trama ainda não parece mirabolante o suficiente para você, o vilão tem ainda um tipo muito particular de capanga: zumbis. Não os mortos-vivos comedores de cérebro que você provavelmente conhece, mas humanos sob o controle mental do vilão através de um implante cerebral. Não dá para dizer que não é a frente de seu tempo.

Batman descobre o plano de Daka após o sequestro do tio de Linda Page (Shirley Patterson), aqui, par romântico de Bruce Wayne. A cada episódio, a Dupla Dinâmica frustra uma tentativa, seja do próprio Daka ou dos capangas, de roubar o elemento químico.

Como você poderia imaginar, mesmo nessa época, o Morcego já tinha um carrão de transporte para partir em suas aventuras. Mas não pense que mesmo esse detalhe não tem sua própria particularidade. Aqui, o Batmóvel (ainda sem esse nome), é apenas um carro normal da época. O veículo aparece com a capota levantada, nos momentos de Bruce Wayne, e conversível nas aventuras de Batman e Robin. Esta é a única diferença.

O Batmóvel dos anos 1940. Qualquer semelhança com os posteriores…

É preciso uma certa dose de paciência, já que a fórmula em que Batman descobre parte do plano, luta contra capangas e Daka foge, é repetida na maior parte dos episódios, sem muito avanço da trama. Por outro lado, a porradaria é honesta e você pode ver o Homem-Morcego descendo a mão. Aliás, vale notar que ele não usa nenhum apetrecho do cinto de utilidades, uma escolha tanto por estilo quanto por limitações de orçamento.

Finalmente, após interrogar um dos capangas do sinistro Dr. Daka, Batman encontra o covil do vilão em um parque de diversões abandonado — uma coincidência sinistra que lembra o esconderijo de um certo outro inimigo do Morcegão. Após luta, Batman e Robin prendem, de vez, o vilão, que ainda tenta escapar uma última vez, mas acaba caindo em uma das próprias armadilhas, sendo devorado por crocodilos.

Dr. Tito Daka foi criado originalmente para o filme e traz visão racista sobre a população japonesa

Zumbis à parte, o envolvimento de arma radioativa na história não é puro acaso, já que o serial é fruto de uma época de tensão durante a Segunda Guerra Mundial. Dois anos após Ataque a Pearl Harbor que levou o país ao conflito, ainda ecoava nos EUA um patriotismo que levou muitas produções artísticas a abordar o tema quase como peças de propaganda.

Em primeiro lugar, Batman e Robin são retratados como uma espécie de agentes secretos autorizados do governo, ao invés dos vigilantes noturnos e independentes das HQs. Outro exemplo claro é o vilão Dr. Tito Daka. Criação original para o filme, o personagem tem uma caracterização que sofre dos maiores estereótipos em relação à população japonesa. E para piorar, ele foi interpretado por um ator norte-americano (J. Carroll Naish), utilizando maquiagem e protéticos nos olhos.

Essa interpretação vilanesca reflete o antagonismo dos EUA para com o Japão que marcou o período da Guerra. Mesmo como reflexo de um momento específico da história moderna, ela exige um olhar crítico já que quase 80 anos depois práticas e conceitos como esse são inaceitáveis.

Batman, Robin e os uniformes de dar inveja a qualquer armadura

Mesmo com o sucesso do serial, Lewis Wilson teve uma carreira pouco expressiva depois dos anos 1940. O ator chegou a fazer participações em algumas aventuras durante as décadas seguintes, na maioria das vezes com pontas não creditadas. Ele esteve em um episódio da antologia Orson Welles’ Great Mysteries, em 1973.

Ele é pai do empresário e produtor Michael G. Wilson, que hoje controla a franquia James Bond nos cinemas. Lewis Wilson morreu no ano 2000, aos 80 anos.

Lewis Wilson sem o capuz. Ator foi o primeiro Batman de carne e osso

À primeira vista, o serial pode parecer uma versão tosquinha e preliminar do que viria a seguir. Ainda mais considerando que do elenco de personagens clássicos do Batman, só aparecem a dupla dinâmica e o mordomo Alfred. No entanto, foi dali que saíram coisas como a Batcaverna, com direito à entrada secreta pelo relógio na biblioteca da mansão Wayne.

Além disso, é possível afirmar que foi da produção que saiu a representação mais clássica do Alfred que conhecemos hoje. Pesquisadores alegam que o personagem foi criado especificamente para o cinema, tendo uma versão teste nos quadrinhos com a Batman #16, em abril de 1943.

Duas décadas após chegar ao fim, Batman foi reexibido nos cinemas em 1965 em formato de maratona. Foi esta reapresentação que, supostamente, teria inspirado a criação da série de TV dos anos 1960, com Adam West e Burt Ward como Batman e Robin, respectivamente.

Cenas de ação impressionam (para a época), mas também divertem

Se você tiver a curiosidade de ver como os filmes de heróis eram feitos na época, vá fundo. Justiça seja feita, algumas sequências de ação também são legais. Uma possibilidade divertida é tentar perceber alguns erros de continuidade como a capa do herói, que misteriosamente some e reaparece em algumas sequências de luta.

Você pode até maratonar todos os 15 episódios. No total, o resultado será um filme de aproximadamente quatro horas — quase um Snyder Cut à moda antiga, com direito a imagens em preto e branco e enquadramento 4:3. É preciso lembrar, mais uma vez, que os episódios são frutos de sua época, com diversas caracterizações, situações e conceitos que devem ser vistos sob um olhar crítico. De qualquer forma, o serial entretém com uma história envolvente. Mesmo com um ritmo mais lento, os cliffhangers ao fim de cada episódio certamente vão deixar você querendo acompanhar até o fim.

Quem for aos cinemas assistir ao novo Batman (2022), a partir de 3 de março, vai se deparar com a nona encarnação do personagem nas telonas, com Robert Pattinson. Não é preciso dizer que os dias de agente do governo e a luta contra vilões com armas radioativas ficaram no passado. Entretanto, o fato de já há quase 80 anos haver um Batman nos cinemas é prova da longevidade e o fascínio que o personagem desperta na cultura pop desde sua criação. Que venham então as novas aventuras, e uma longa vida ao Morcegão nos cinemas.

Para os fãs mais curiosos, o serial de 1943 está reunido no box Batman: Edição de Colecionador. O título saiu em DVD pela distribuidora brasileira ClassicLine, e está à venda na Amazon. Se você comprar pelo nosso link, destacado no texto, o Jovem Nerd pode receber uma comissão.)